segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Por Márcia Espiguinha (10º Lav)

Finalmente, Natal

Ao ver-te assim, recordo-me dos tempos que passei contigo. Já fui bom, carinhoso, atencioso, mas também rude, violento e arrependo-me de tudo o que eu te fiz de mal pois és tu a minha melhor amiga, aquela que teve a generosidade de me abraçar nos maus momentos. Amo-te, avó.

A minha primeira recordação é a do primeiro natal em que me senti sozinho. Triste natal, triste som dos sinos silenciosos, triste cheiro a comida espalhada pela mesa, triste chama de um vela sem vida, tristes lágrimas que caíram e ainda não pararam. Nenhuma criança deve passar pelo que eu passei, tu sabes. Tempos difíceis para ambos. Lembro-me de ser pequeno e estar sentado no sofá velho dentro de um sala que parecia não ter fim, assistindo às notícias de um trágico acidente em que o único sobrevivente foi um rapaz de 6 anos. Esse rapaz… era eu. Apagaste a televisão, sentaste-te ao meu lado e abraçaste-me. Nessa altura não consegui sentir e comecei a construir uma solidão que durou anos. Depois fui salvo por ti. Adoro-te, avó.

Momentos passaram e eu continuava sem te ver, sem perceber quem tu eras realmente para mim. A adolescência foi a época mais marcante. Era jovem, estúpido e frio. Escondia-me por detrás da droga e do álcool. Tentaste tirar-me desse caminho e eu corria, corria sempre, fugindo de ti. “Não és minha mãe, não mandas em mim”, gritava eu. A solidão era sempre maior e as lágrimas cada vez mas longas e dolorosas. Esse natal não foi como os outros. Faltei ao jantar, aparecendo, já noite longa, bêbado. E magoando-te. Queria matar-me, dizia. Como fui irresponsável! Agora tenho raiva de mim por te ter feito chorar. Lá bem no fundo, juro que não o queria. Frio o natal, frios os resto de comida, fria a vela sem chama, frio o meu coração. Perdoa-me, avó.

Ainda me lembro daquele dia em que senti e reconheci o teu amor. Viste-me com a faca na mão, chorando. Gritaste. Um grito intenso e cheio de dor que fez com que eu a deixasse cair, caindo eu também no teu abraço. Abraço esse, cheio de calor, que soube, finalmente, derreter a minha solidão. Chorei durante horas nesse teu colo, relembrando toda a minha vida passada e tudo o que fiz. Tenho mil palavras para descrever esse momento, sabendo que afinal não estava sozinho e que te tinha ao pé de mim. Feliz natal que passei contigo, feliz som dos sinos e dos cânticos do coro, feliz chamas de mil velas quentes. Obrigado, avó.

Neste momento, sou eu que te abraço pois não tens força para o fazer. Sou eu que passo o meu calor para o teu rosto já frio. Sei que estás contente por mim e pelo homem-menino em que me tornei. As lágrimas caem outra vez. Não quero que morras, quero que fiques comigo para sempre, quero sentir o teu abraço mais uma vez. Saudade desse natal, saudade dos sons familiares da nossa vida, saudade de uma vela que possa aquecer-te, saudade de ti. Amo-te, avó.

1 comentário:

  1. Um texto maravilhoso e emocionante.
    Simplesmente adorei.
    Espero poder ver mais textos da Márcia porque ela tem muito jeito :)

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