quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Por Inês Godinho, 12º A

Todos passamos por emoções, experiências e vivências que, mais tarde, depois de vividas, se transformam em recordações através da razão. Ou seja, o nosso cérebro consegue conservar as emoções que, mais tarde, irão servir de alimento para a produção da escrita.
É então por isso que a criação poética acaba por ser realizada não no momento da emoção mas no da sua recordação, uma vez que não há passagem directa das emoções para a escrita.
Como a verdadeira dor é apenas sensorial e intraduzível, o poeta acaba por criar uma personagem, e não tem de sentir os seus sentimentos, tem, no entanto, de se entregar à arte de fingir construindo intelectualmente a ideia das emoções.
Concluímos, então, que, na criação poética, Fernando Pessoa “finge sentir” transmitindo nos seus poemas apenas a ideia das emoções e a sua consequente construção intelectual. O que Pessoa faz é recriar emoções que, depois de pensadas, se tornam representações mentais das emoções sentidas.

A infância, idade de ouro do seu humano

Por Inês Godinho, 12º A

Mas quem é que não gostava de voltar a ser criança? Quem é que não tem saudades daquele mundo de fantasia onde tudo se transforma em algo mágico e maravilhoso apenas com o poder da imaginação? Voltar para aquele mundo de aventura onde tudo é uma descoberta e os sonhos ganham vida?
Ai que saudades que eu tenho de esperar ansiosamente pela chegada do Pai Natal que descia por magia pela chaminé! E de quando pensava que durante a noite uma fada trocava os meus dentes por presentes. Como eu era feliz naquele mundo cor-de-rosa de fadas e duendes onde tudo tinha um final feliz.
Agora sei que o homem das barbas brancas não passava do meu tio e que a fada dos dentes não era mais do que a minha mãe!
Tudo passa, a magia acaba e com ela esgota-se a ingenuidade e o mundo do faz-de-conta, mas vai sempre haver um cantinho no meu coração onde, por mais anos que passem, vão ficar guardados o Pai Natal, a fada dos dentes e onde, tal como na Terra do Nunca, existirá para sempre este mundo de sonhos em que podemos simplesmente ganhar asas e voar!

domingo, 8 de novembro de 2009

Eduardo Lourenço fala de Pessoa e Camões

A minha sorte é que à minha geração – não foi uma sorte pessoal, foi da minha geração – caiu-lhe na rifa, como se tivesse acabado de nascer naquela altura (embora já viesse também da geração anterior), a descoberta do mundo poético do Pessoa. Que era mais do que poético. Era uma poesia de problematização extremamente profunda e original, por ser aquela que correspondia ao estado do mundo. O mundo estava atravessando uma crise que, de resto, ainda não terminou. Estamos no começo dessa grande transformação que o Ocidente está a sofrer. E de repente encontramos um poeta consciente de todos esses problemas que já se punham nesse momento e que nunca mais deixaram de se pôr. Praticamente até hoje.

Foi uma revolução copérnica, para si.

Exacto. Pelo menos no meu caso foi isso. De repente, toda a poesia, da mesma época ou a anterior, empalideceu ao lado dessa. De resto, não foi só por causa do Pessoa. Seria muito injusto não lhe dizer que a minha primeira paixão foi o Sá-Carneiro. Ainda hoje tenho um grande culto pelo Sá-Carneiro. Tão grande como pela poesia do Pessoa. São dois universos ao mesmo tempo próximos e diferentes. São duas expressões geniais. Não só da poesia. Para mim, a poesia não é essa espécie de canto ornamental da existência humana. Não. A poesia é aquilo que nos põe em contacto com qualquer coisa que até ali nós não víamos, não sentíamos. Passamos a ter uma outra visão, realmente. Distinta da visão natural e ingénua que é a nossa, quando a gente vem a este mundo e enquanto é jovem. A grande poesia é aquela que, de repente, nos oferece um mundo, no qual a vivência deste se altera em cores e dimensões não sonhadas. É a criação de um outro mundo que se acrescenta realmente ao nosso mundo visível. É portanto isso e não os versos que são muito bonitos. Nós temo-los. A nossa poesia é uma poesia muito bela, muito cantante, etc.

Mas não é isso que lhe interessa.

Para mim, os grandes momentos são os dessa gente que criou… No interior, é certo, dessa tradição lírica, consagrada em geral à celebração da natureza, ao relacionamento humano sob a sua forma mais misteriosa e mais sublime, que é a poesia amorosa, mas muitas vezes de um modo não muito problematizante.
Quando chega o Camões, de repente, percebe-se que o Camões corresponde a um momento de uma outra crise. A primeira grande crise do Ocidente cristão. Mesmo estando nós na margem disso, a coisa chegou cá. O que é esse mundo que o Camões captou? É a primeira imersão naquilo que esteve oculto durante Séculos pelo triunfo de uma outra visão comungada por toda a gente, consensual, que é o cristianismo, na sua versão tradicional, até à revolução luterana. E depois com a Reforma. As duas coisas ao mesmo tempo, numa espécie de ressurreição do mundo antigo. Uma pseudo-ressurreição, porque era algo de impossível. Não foi uma ressurreição, foi uma competição com o mundo antigo. Na verdade, era um mal-estar em relação a um mundo que estava já em crise.

Camões representou uma percepção aguda desse mal-estar?

O Camões conheceu isso ou intuiu isso. Mesmo se é muito ortodoxo. Do que eu não duvido. Eu não sou daqueles que pensam que ele dizia essas coisas que lhe atribuem.

O quê?

Uma espécie de heterodoxia na visão do mundo. Bom, é verdade que ele tem uma percepção dos valores humanos que não é essa, tranquila e tranquilizadora, que a ortodoxia, a visão católica normal do mundo inculcava. Há já ali uma grande angústia. Apesar de ele ser o autor da nossa epopeia, há nele uma visão pessimista do mundo. É uma visão que anuncia várias coisas. Como Pessoa, a coisa corresponde a uma altura em que a civilização ocidental começa a viver uma perda de sentido em relação a si própria. O nosso Pessoa volta então a isso tudo. Não há questão nenhuma, ainda hoje, que nos interesse, que de uma maneira ou de outra não esteja na obra do Pessoa.

Chegámos aqui porque eu estava a tentar perceber se esses seus encontros tão intensos com certos autores limitaram, de algum modo, a sua própria forma de expressão literária.

Pois, eu estou a fugir com o rabo à seringa, como se diz. O problema é que, quando os poetas que têm verdadeira vocação poética descobrem um mundo poético - ou são descobertos por esse mundo poético – das duas uma: ou eles dialogam, à sua maneira, com essas obras, tentam aproveitar isso e entrar em diálogo com elas ou continuá-las, ou ficam esmagados e não passam de uma imitação pálida, de um eco daquilo que esses grandes encontros significam.

No seu caso, temeu ser esmagado?

Não. Quer dizer, o sentimento – quer na ordem da expressão, quer na ordem da visão das coisas – é o de que o Pessoa é tão radical, tão extremo, que a ideia de entrar em… A minha ideia, aquilo que me interessou foi perceber. Entender, eu próprio, como é que esse mundo funcionava. Mas não entrar em competição. Coisa que o Pessoa fez em relação aos autores que para ele foram realmente determinantes. Isso já faz parte da genialidade dele. O Pessoa era de uma megalomania infinita. Fabulosa. Mesmo o Jorge de Sena fica muito aquém dele, nesse capítulo.

É necessário megalomania para construir uma grande obra literária?

Por megalomania, quero eu dizer: ele é de uma audácia, de uma ambição prometaica. Penso que o fenómeno Pessoa não tem explicação sem nós pensarmos que aquele menino fez a sua educação na África do Sul, que se impregnou da cultura inglesa, em geral, e em particular dos poetas que amou. Sobretudo Shakespeare. Realmente, ele nasceu no interior do mundo do Shakespeare. Que é um mundo terrífico. Um mundo de que não fica nada. É a primeira expressão de uma espécie de niilismo metafísico, de um poder de sedução fantástico. Porque aquilo nos parece uma visão tão realista da condição humana e do espírito humano, que um sujeito mergulha no Shakespeare e não sai mais desse pélago. É um dos espelhos nos quais a Humanidade se tem reflectido ao longo dos séculos. Mas o engraçado no Pessoa é que ele não se pôs a fazer teatro à Shakespeare. Não. Shakespeare é uma espécie de modelo ideal para Pessoa ser o Shakespeare da época dele. E não um Shakespeare da época do Shakespeare. Ou um romancista do tempo do Balzac. Ele entrava em competição com esses sujeitos. Lia aquilo e dizia: «Eu sou capaz de fazer a mesma coisa que este tipo fez e melhor.» Sempre foi assim.

Excerto da entrevista de Carlos Vaz Marques a Eduardo Lourenço, in LER, Setembro de 2008
Reflexão sobre a “Dor de Pensar”

Por Susana Dias, 12º C

Uma inteligência persistente e inquieta pode desviar a atenção para pormenores insignificantes. Uma mente assim pode viver no obscuro de uma busca incessante de respostas, que acaba por privar da vivência física e das experiências momentâneas da vida.
Temos que querer conhecer até onde podemos, sem exigirmos demasiado das nossas capacidades enquanto seres humanos.
No entanto, por vezes, são esses pormenores e essas respostas que muitos não buscam, que criam, para uns poucos, a genialidade, como acontece com Fernando Pessoa. Pessoa sobrepôs aquilo que ele era enquanto criador artístico sobre aquilo que ele era enquanto ser humano e isso impedia-o de ser conscientemente inconsciente, de separar a razão das emoções.
Assim, na minha opinião, a felicidade que deriva da inconsciência, apesar de ser muito tentadora, deve ser acompanhada pelo exercício mental, pela lucidez, por um “querer saber”.
Deve haver um equilíbrio, um pouco do “gato”, que é inconsciente e feliz, juntamente com a racionalidade, que nos permite pensar e nos desenvolve face aos outros seres vivos.
Reflexão sobre o processo de criação literária em Pessoa

Por Susana Dias, 12º C

Fernando Pessoa, ortónimo, expõe a teoria do fingimento poético em vários dos seus poemas, onde separa as emoções da razão, o coração da mente.
Assim, segundo esta teoria, só se exprimem emoções “fabricadas” a partir da intelectualização, pois tudo aquilo que sentimos no nosso íntimo são emoções, sentimentos e sensações intraduzíveis.
Então, um poeta, que é um ser predestinado a trabalhar com as emoções, tem de recorrer ao fingimento, não no sentido de mentir e enganar, mas sim no sentido artístico de modelar, imaginar, criar e recriar emoções. A dor transmitida não é real (dor sentida), é apenas a dor proveniente do fingimento dessa realidade (dor fingida ou intelectualizada).
Assim, o poeta deve brincar com as emoções para conseguir obter uma dor fruto de uma racionalização, que já pode ser traduzida por palavras.
A “dor”, que agora é encarada como uma dor estética, é utilizada como um objecto poético e artístico, que é o poema, também objecto de fruição para os leitores.
Um poema é, então, um produto resultante de uma dor sentida, que foi intelectualizada na mente do poeta, enquanto criador artístico/poético.
A Dor de Pensar

Por João Gomes, 12º C

Lucidez e conhecimento apenas trazem infelicidade e a sensação de que tudo o que se sabe, e de que tudo o que se é, se reduz a nada, ao absurdo, torna-se inútil. Até porque nos permite adquirir a consciência necessária à percepção da infinitude do que nos rodeia e da insignificância que representamos. Quanto mais conscientes somos, mais próxima se torna a ideia que a felicidade ainda permanece bastante longe.
O facto de podermos ser regidos por “leis universais do instinto” traz-nos a possibilidade de sermos felizes, já que lhe está directamente associada a falta da consciência – a inconsciência. Se não temos consciência do que somos, nem de quem somos, como é possível “percebermos” que não somos nada?
Nunca chegarei perto das personagens ou dos heterónimos que Fernando Pessoa criou, nem da personalidade que Fernando Pessoa construiu, mas creio que já tenho consciência suficiente para perceber o que ele queria transmitir e para fazer um pedido: “ (Ingenuidade,) Inocência e Inconsciência, regressem.”
O fingimento artístico em Fernando Pessoa

Por Inês Sousa, 12º C

Pessoa sente com a caneta e não com o coração. Como poucos, tem o dom de passar para o papel sentimentos vivos muitas vezes sem os ter sentido realmente; consegue imaginar um sentimento e torná-lo real.
O fingimento poético pode induzir-nos em erro; leva-nos a pensar que o poeta mente, quando isso não acontece. O sentimento presente no poema é como uma encenação, como a emoção memorizada de um actor. Não conseguimos passar para o papel um sentimento que estejamos a sentir; é quando ele já está intelectualizado, como uma memória, que podemos transcrevê-lo. Mas Pessoa não se limita a isso; usa a sua imaginação e o seu conhecimento para pensar sentimentos que interpreta em vários papéis, como se a sua vida fosse uma peça de teatro na qual ele interpreta diferentes personagens.
É dessas personagens que nascem os seus poemas. Cabe aos leitores sentirem a dor escrita e identificarem-se com ela; para o poeta, a dor de pensar já é suficiente.
Infância, idade de ouro do ser humano

Por Adriano Balhana, 12º A

A infância é considerada o melhor período da vida de um ser humano, é sinónimo de inocência, diversão, felicidade, pureza, ingenuidade etc. E porquê?
O que é que acontece neste período da vida do ser humano para o podermos considerar a “idade de ouro”?
Penso que este período em particular na vida do ser humano, ao contrário dos outros, é vivido mais intensamente, praticamente minuto a minuto, sem qualquer base racional, ou seja, é um período de experiencias puramente físicas e emocionais, vive-se muito perto do limite da humanidade, muito perto do estado selvagem, por isso muitas acções boas e também erradas podem não ter qualquer significado neste período.
Resumindo, este período dourado da vida do homem tem base no simples viver e sentir a vida, tornando-se assim no período mais feliz da vida de um ser humano, pois sendo a racionalidade do ser humano uma dádiva também é um fardo que pesa sempre cada vez mais ao longo da vida do homem.
Sendo a infância o período de menor racionalidade e o de maior emotividade, é, sem dúvida, o período melhor da vida do ser humano.
Infância, a idade de ouro do ser humano

Por Mariana Pombinho, 12ºAct

A infância é, sem dúvida, a melhor parte da vida do ser humano. É uma pequena porção de vida desprovida de problemas e preocupações em que a única finalidade dos nossos dias é brincar e desfrutar da nossa ingenuidade. E a infância é isso mesmo, pura ingenuidade. Somos ingénuos porque não temos consciência dos problemas graves que nos rodeiam nem tão pouco queremos ter essa consciência.
As crianças são sinónimo de uma alegria e felicidade contagiante, felicidade esta que deriva da forma despreocupada e inconsciente como vivem o seu dia-a-dia, do facto de não pensarem no porquê de tudo o que as rodeia. Assim, é esta inconsciência que faz com que as crianças sejam felizes, é a sua capacidade de desligar dos problemas exteriores e aproveitar aquilo que a sua idade lhes oferece; e oferece bem mais do que aquilo de que elas se apercebem, oferece aquilo que na idade adulta se desvanece, pois com a chegada a adulto a tomada de consciência dos problemas torna a felicidade um fim difícil de atingir.
Deste modo, a infância é talvez a única fase da vida do ser humano em que podemos ser aquilo que não somos, distanciarmo-nos daquilo que nos rodeia e, assim, aproveitar a única oportunidade que temos de sermos felizes.
Reflexão sobre a infância


Por Sofia Alvarenga,12º Act

É durante a infância que começamos a ganhar forma. Pequenas pessoas inconscientes. Durante a infância, sentimos o momento. Se brincarem connosco, rimo-nos, se nos assustarem ou se se zangarem connosco, choramos, quando não nos fazem as vontades, fazemos birra… Mas não pensamos naquilo que estamos a fazer, simplesmente vivemos as emoções, o acontecimento.
Por isso dizem que as crianças são puras, puras e cruéis. Mas até a crueldade é pura. Temos a felicidade de brincar na lama sem medo que nos repreendam.
As memórias da infância são das mais importantes, parece tudo tão perfeito, tão simples… Dá-nos vontade de voltar àquela inocência.
Reflexão pessoal sobre a infância a propósito do livro “Não te deixarei morrer, David Crockett”, de Miguel Sousa Tavares

Por Susana Dias, 12º C

Quando somos pequenos, ainda crianças, vivemos, a cada dia que passa, sem quaisquer preocupações ou responsabilidades.
Durante a nossa infância somos “livres”, no sentido em que não enchemos a nossa cabeça de inquietações e, por isso, sabemos viver e aproveitar o presente sem pensar no que se passou ou no que se poderá passar.
Vivemos na pureza e na inocência das coisas, e cada dia é cheio de alegria. Somos crianças e não adultos e, enquanto crianças, estamos cheios de sonhos.
Quando era criança acreditava em fadas madrinhas e na possibilidade de poder voar, acreditava no Pinóquio, no Pai Natal e no “Felizes para sempre” e era feliz.
Agora já não posso acreditar nisso, pelo menos não como acreditava antigamente, pois já tive acesso à realidade de muitas coisas e isso apaga a magia dos meus sonhos de criança. Não se pode acreditar em algo quando sabemos que esse algo é impossível.
Ao crescermos, temos que largar esses sonhos e encarar a vida real, no entanto, não podemos deixar morrer a nossa infância, pois, por mais adultos que sejamos, é nela que encontramos a nossa essência, o nosso verdadeiro “eu”.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009


Em defesa da cultura escrita
Sou, desde que me conheço, um frequentador de bibliotecas, livrarias, feiras e salões de livros. Sou um leitor compulsivo e, também, bibliófilo. Sou um produto típico da cultura escrita, hoje cada vez mais desprezada pelos tecnocratas que governam o mundo. Tive a sorte – que, hoje, talvez seja considerada um azar – de pertencer a uma geração de portugueses cuja adolescência não foi dominada pela omnipresença dos ecrãs de televisão. Para lá dos desportos, que pratiquei com imenso prazer, os meus tempos livres também foram preenchidos, desde cedo, pela literatura, pela música e pelo cinema.
Nietzsche dizia que “sem a música, a vida seria um erro” – e não se referia propriamente à música produzida industrialmente ou, muito menos ainda, à música “pimba”. Parafraseando o filósofo, hoje também se poderia dizer que “sem literatura, a vida seria um erro”. Numa entrevista muito recente ao El País Semanal, Mário Vargas Llosa salienta que a “literatura é fundamental para manter uma atitude crítica perante a realidade e o mundo e para manter uma linguagem renovada e vigorosa. O escritor lamenta: “As pessoas falam cada vez pior, porque lêem pouco e vêem muita televisão e a sua linguagem é mínima.” A literatura “é um contrapoder”, mas está a ser devastada pela televisão.
Como leitor compulsivo e amante da literatura, só posso regozijar-me com a promoção de obras de escritores portugueses em eventos tão importantes como a Feira do Livro de Frankfurt e o Salão do Livro de Paris. Receio, porém, que o seu efeito na promoção do livro e da leitura seja ainda mais circunstancial e efémero do que aquele que resultou da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago. Continuam a ser muito poucos os portugueses que lêem jornais e ainda menos os que lêem livros. Infelizmente, não é um problema que afecte apenas os portugueses. Os baixíssimos índices de leitura afectam, por igual, tanto os europeus como os americanos. O nível de iliteracia é aterrador.
O problema é de civilização. A cultura audiovisual – que é passiva, massificadora, minimalista, uniformizadora, acrítica, redutora e utilitarista – está a escorraçar a cultura escrita – que é activa, reclama um esforço individual, incita à curiosidade, convida ao saber e estimula a sensibilidade, a reflexão e a crítica. Infelizmente, na “sociedade de inovação e conhecimento” que nos querem impingir, a televisão e o computador são essenciais, mas a literatura é dispensável – a não ser como indústria e “álibi decorativo” que pode produzir lucros e não propriamente cultura. E, no entanto, a língua, a literatura e a cultura são fundamento da nossa própria identidade individual e colectiva, são os esteios do pensamento, da sensibilidade, do espírito crítico, da consciência histórica e das nossas atitudes perante a vida. A menos que queiram fazer de nós “homens-robô” em vez de cidadãos.
Num livro arrasador que acaba de ser traduzido em português (Homo Videns – Televisão e Pós-pensamento), Giovanni Sartori alerta: “cada vez mais, a educação especializa e fecha-nos em competências específicas”; “a televisão empobrece drastricamente a informação e a formação dos cidadãos”; “o mundo por imagens que nos é proposto por “videover” desactiva a nossa capacidade de abstracção e, com ela, a nossa capacidade de compreender os problemas e de os enfrentar racionalmente”; “aquilo que nos espera é uma solidão electrónica” habitada por “doentes de vazio” dominados pelo vídeo e pela Internet. “Temos de reagir com e na escola” – salienta Sartori. Infelizmente, a “tendência é para encher as salas de aula com televisores e Word processors”. Porque “as pobres crianças têm de ser entretidas”. Só que, “dessa forma, nem sequer se ensina a escrever e o ler é marginalizado o mais possível”. “A escola reforça a videocriança, em vez de a contrariar”.
Giovanni Sartori constata que o “pós-pensamento está a triunfar” e que a “ignorância tornou-se quase uma virtude”. Todavia, não desespera e ainda acredita que é possível fazer retroceder a “incapacidade de pensar” e regressar ao “pensamento”, condição de sobrevivência da sociedade ocidental. Mas avisa: “Certamente não haverá esse regresso se não soubermos defender até ao fim a leitura, o livro e, em suma, a cultura escrita”. Reabilitar a cultura escrita não é nostalgia nem retrocesso. É um combate de vanguarda!

Alfredo Barroso, Expresso, 25 de Março de 2000

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa....

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa