domingo, 24 de janeiro de 2010

Reflexões - Álvaro de Campos

É um facto compreensível que todos os heterónimos de Fernando Pessoa sejam apenas “personagens” criadas de forma genial para que este conseguisse escapar ao seu próprio ser, sublinhando as características que nele pouco se expressavam. Recorrendo à sua obra e aos novos seres por ele criados, Fernando Pessoa tenta assim fugir às suas angústias seguindo e criando “correntes” bastante radicais e muitas vezes inviáveis.
Dos três heterónimos estudados, o que mais me cativa é Álvaro de Campos (nomeadamente a última fase), escolha que se deve não só ao meu carácter mas também por ser aquele que, a meu ver, foge menos à realidade.
Apesar de todos eles terem pequenos pontos em comum, Alberto Caeiro e Ricardo Reis situam-se em extremos opostos, facto esse que me leva a considerá-los menos apelativos.
Enquanto Alberto Caeiro vive na base dos sentidos e recusa totalmente o pensamento, rodeando-se pelo natural e pelo campestre, Ricardo Reis vive numa ataraxia sufocante, onde tudo se rege pelo pensamento clássico. Sendo dois caminhos pelos quais Pessoa opta para conseguir alguma “paz interior”, parecem-me ser demasiado limitantes para o que se considera viver.
Álvaro de Campos é então o poeta mais interessante, como já referi. Inicialmente, vive entusiasmado com todo o progresso, apesar de estar sempre consciente da sua maior angústia: a morte, esse temido e evidente destino. Na última fase, sente-se totalmente este cansaço e angústia, ao mesmo tempo que se sente alguma frustração causada pela seu querer “sentir tudo de todas as maneiras”.
Com Campos, sente-se a verdadeira realidade e não se foge a ela: não se deixa de pensar nem de sentir. Vive-se o que se tem a viver, questiona sobre aquilo que o intriga, revolta-se com aquilo que o indigna. No fundo, é o heterónimo que menos contorna o que se é, uma vez que ninguém consegue só sentir ou só pensar. Apenas vemos nele aquilo que todos alguma vez já sentimos de uma forma menos impulsiva.

Catarina Lourenço

Reflexões - Ricardo Reis

Ricardo Reis

Fernando Pessoa, ortónimo, escreveu muitos poemas com outros nomes que não o seu. Mas mais do que com um nome, escreveu como se fosse uma pessoa completamente diferente, conseguindo ser múltiplo sem deixar de ser um.
Dos seus mais de 70 heterónimos, estudámos apenas três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Para dizer a verdade, não me revejo totalmente com nenhum dos três, no entanto, a perspectiva de Ricardo Reis intriga-me.
Tendo consciência de que o tempo passa e a morte se aproxima, Reis refugia-se num mundo diferente, para evitar o sofrimento, privando-se de todos os prazeres e de todos os excessos que tragam inquietude à sua vida.
Vendo bem, se vivêssemos assim talvez fosse melhor pois, por exemplo, quando gostamos muito de uma pessoa e lhe acontece alguma coisa, sofremos bastante. No entanto, se essa pessoa não fosse importante para nós, sem dúvida que não sofreríamos tanto.
Mas, por outro lado, se vivêssemos assim, a vida seria vazia e não teria significado, pois, na minha opinião, são as emoções que nos fazem sentir vivos e conscientes.
É claro que, ao criarmos laços e afectos, ficamos mais vulneráveis ao sofrimento, no entanto, o sofrimento faz parte da natureza humana e apenas fortalece as pessoas.
Mas, por mais curioso que pareça, não consigo esquecer a questão: Não seria melhor vivermos sem excessos, evitando, deste modo, o sofrimento? Seríamos felizes à mesma, mas de uma maneira mais…calma.
Susana Dias

Personalidades - Madre Teresa de Calcutá

Madre Teresa de Calcutá, uma imponente figura do século XX, ficou conhecida pela sua grande contribuição para um mundo melhor. Merece, pois, ser reconhecida como uma importante e grande personalidade.
O seu principal papel na sociedade universal era ajudar os outros, em particular os mais desfavorecidos, tendo desempenhado um papel crucial em muitas vidas. Desde muito nova que vivia com esta vontade e necessidade.
Madre Teresa de Calcutá seguiu a profissão religiosa, tornando-se missionária católica. Graças à sua humildade, simplicidade, luta, força e coragem, tornou possível a concretização dos seus objectivos, todos eles a pensar na sociedade global, dos quais se destaca a fundação da célebre congregação “As Missionárias da Caridade”. Foi ela a principal responsável pelo surgimento, em várias cidades do mundo, de centros de apoio a doentes e idosos, de escolas, de orfanatos e do trabalho de reabilitação com presidiários. Através desta congregação, esta missionária começou a conquistar o mundo que acabou rendido ao seu apelo de ajudar o mais pobre dos pobres.
A vida desta grande figura religiosa, que passou por muito para cumprir os seus objectivos, foi homenageada pelo Papa e é admirada por muitos cidadãos, incluindo, como é óbvio, eu, e o seu trabalho, mesmo depois dela ter falecido, continua, pois foi excelente e marcante.



Marta Catarino

Opinião - Redes Sociais

Vivemos na era das redes sociais. Esta nova ferramenta disponibilizada pela Internet é hoje “a nova moda”, sendo quase uma obrigação construir pelo menos uma destas redes. Aparentemente, este novo meio de partilha parece-nos ser algo sem qualquer tipo de conteúdo onde nada de importante é divulgado, como está demonstrado no texto acima transcrito. Contudo, a minha opinião contrasta com a apresentada. As redes sociais são hoje um meio de partilha de informação muito importante e útil desde que as saibamos utilizar de forma pertinente.
Nos dias que correm, a informação quer-se “na hora” e concisa, sendo estes requisitos preenchidos por algumas destas redes sociais. O twitter, uma rede social relativamente recente, é hoje uma fonte de informação até para os jornalistas. Diversos factos são divulgados “na hora” e chegam rapidamente a todos os cantos do mundo. Um exemplo bastante mediático e recente foi o da morte de Michael Jackson. Caso este exemplo não sirva para demonstrar a importância e seriedade da informação partilhada, temos o facto de nesta rede serem também divulgadas, imediatamente, notícias sobre política e actualidade.
Para além de servir para divulgar rapidamente informação, as redes sociais revelam-se também meios importantes para dar a conhecer o nosso trabalho e lançar carreiras, principalmente nas áreas mais artísticas. Jovens artistas, como a portuguesa Ana Free, têm hoje uma carreira promissora e isso deve-se à visibilidade das redes sociais. Mas não só os músicos conseguem tirar proveito destas redes. Cientistas, artistas plásticos e escritores vêem nestas redes uma oportunidade de publicar o seu trabalho.
Assim, torna-se perceptível que as redes sociais não se limitam a servir de meio de partilha de fotografias e gostos pessoais que em nada irão contribuir para o nosso enriquecimento pessoal. São hoje uma fonte de informação fiável e um meio de divulgação de opiniões e trabalhos. Desde que utilizemos bem as redes sociais, poderemos encontrar matérias bastante interessantes sobre os mais diversos temas.

Catarina Lourenço

Opinião - Será a leitura importante?

Será a leitura importante?

Se me amputassem uma das minhas pernas, com o apoio da outra conseguiria movimentar-me ainda que com alguma dificuldade. E se me amputassem também a outra? Bem, graças ao progresso tecnológico, conseguiria movimentar-me com o apoio das máquinas. Mas, se me tirassem o hábito de ler, tiravam-me tudo porque ficaria sem asas para voar.
Como eu sempre digo, o maior cego não é aquele que não vê com os olhos da cara mas sim aquele que é cego da mente. A leitura liberta-nos, faz-nos sair de um lugar sem o nosso corpo pois a nossa capacidade de imaginar é ilimitada. Quando nos sentamos no sofá da nossa casa a ver programas de televisão, as coisas não são mais que aquilo que os nossos olhos estão a ver mas, quando lemos, seja que livro for, através da nossa imaginação, montamos um cenário, ou seja, o ambiente à volta das personagens é como nós o imaginamos.
Uma outra razão que me leva a afirmar que a leitura é importante é o poder mágico que os livros têm de nos transformar, de nos fazer ver o mundo de vários ângulos. E também, quando começamos a ganhar o gosto pela leitura, com os conhecimentos que vamos adquirindo, tornamo-nos mais maduros. Digo isto porque, na minha opinião, são os conhecimentos que adquirimos ao longo da vida que moldam a nossa personalidade, tornando-nos pessoas fortes. Ingerimos alimentos para podermos ser fortes e saudáveis no sentido físico. E se alguém tentasse negligenciar essa lei natural, concerteza não viveria por muito mais tempo. Do mesmo modo, também temos de plantar conhecimentos no terreno das nossas mentes para podermos ser fortes ao nível intelectual e estarmos preparados para refutar os argumentos que nos apresentam. Se desprezarmos isso, tornamo-nos mais vulneráveis às “filosofias baratas”.
Sendo assim, para estarmos preparados para enfrentar este mundo complexo, temos de nos deixar transformar pela magia dos livros.

Alexandre

Sugestão de leitura - "Equador"

A linha imaginária mais vista

Equador é um livro de Miguel Sousa Tavares, filho da ilustre escritora Sophia de Mello Breyner. Nascido no Porto, o escritor iniciou a sua carreira pela advocacia, que abandonou pelo jornalismo, daí chegando aos poucos à escrita literária. Equador é o seu primeiro romance, no entanto, já publicou outros livros como “Sahara, a República da areia” e o “Segredo do rio”.
Com uma linda combinação entre a realidade e a ficção, entre a história e o romance, Equador transpõe para as suas páginas um retrato daquilo que foi a sociedade portuguesa enquanto monarquia. Na minha opinião, trata-se de um romance repleto de paixões extremas e de convicções fortes, que nos permitem recriar os vícios, as mentalidades, as ambições, os fracassos e os ideais predominantes naquela época.
É um livro que eu, pessoalmente, considero forte, frenético, arrojado e cheio de emoções, onde subsiste uma guerra entre o dever e a emoção ou vontade. Desde conflitos políticos a frustrações amorosas e de consciência, todo este enredo conseguiu envolver-me de um modo quase real, suscitando, em determinados casos, uma certa revolta e muita vontade de agir. É, sem dúvida, um bom livro para despertar consciências.
Já a descrição do clima, das paisagens, dos sons e dos cheiros permite a qualquer um captar as sensações daquela terra vermelha e daquele misticismo, predominante em S.Tomé: “(…) o perfume nascente da “Rosa Louca”, essa flor inconstante do Equador, que de manhã é branca, a meio do dia é rosa e ao fim do dia é vermelha, da cor do sol afogando-se no mar.” O único senão é o facto de o início ser demasiado descritivo.
Globalmente, gostei do livro pois tem um desfecho inesperado e está centrado em temáticas como a colonização e a defesa dos direitos humanos, em especial o da liberdade. Ainda assim, a minha parte favorita é o enquadramento geográfico da história, pois retrata as colónias onde ainda existe a pureza de um mundo primitivo, inicial, em estado bruto.

Susana Dias

Sugestões de leitura - "Equador"

Equador conta uma parte da vida, a final, de um homem, Luís Bernardo Valença. Após ter aceite um convite para ser governador de S. Tomé e Príncipe e de S. João Baptista de Ajudá, feito pelo então Rei da Monarquia portuguesa, D. Carlos, Luís Bernardo rumou a África, mais precisamente para essas ilhas perdidas no Atlântico.
Foi nessas ilhas que se desenrolou grande parte da acção e da vida do governador. Passou por muito pois, para além das mentalidades retrógradas dos roceiros ou do desconhecimento do território e de como devia praticar a sua função, Luís enfrentou muitas outras peripécias e dificuldades, entre elas, amores e traições, tomadas de decisão difíceis, ou, ainda, a pressão do sucesso pessoal e o futuro de uma nação. E foi relativamente a esta que encontrou um dos seus maiores dilemas: num dos pratos da balança estava a escolha do patriotismo e do bom desempenho das suas funções que era mostrar e convencer o cônsul inglês, David Jameson, de que não existia trabalho escravo na colónia, no outro, encontrava-se o combate à escravatura que lá se fazia e de que todos sabiam e, deste modo, afirmar que havia escravos em S. Tomé e Príncipe, trazendo graves problemas para Portugal, tais como a perda de fundos vindos do reino inglês. O livro retrata, assim, a mais difícil decisão na vida de um Homem, se o amor, a liberdade ou a própria vida.
Este romance está muito bem escrito. Além de ser muito vasto, espacial e culturalmente, faz também, incrivelmente, a caracterização pormenorizada dos locais por onde vai passando, aumentando, no leitor, uma melhor interpretação. É como se, enquanto lemos, fossemos cercados pelo calor e cheiro das terras.
Outro ponto de que gostei, é que a história é bastante imprevisível, especialmente no final, algo a que os leitores não estão habituados, mas é, ao mesmo tempo, emocionante e cativante.
A leitura é acessível, no entanto, por ser muito descritivo, faz parecer ao leitor que ainda não avançou muito na história. Como é o caso do capítulo décimo, em que o autor, Miguel Sousa Tavares, escreve em cinquenta páginas a vida de certas personagens.
Concluindo, este romance ilustra muito bem a luta que muitas pessoas tiveram, para alcançar o fim da escravatura ou de outros actos imorais, todas as suas dificuldades e as escolhas que tiveram de tomar para alcançá-las.

Diogo Feliciano

Sugestões de leitura - "Crepúsculo"

“Crepúsculo”

Sinopse:

Após mudar-se de Phoenix para a pequena cidade de Forks, Isabella Swan (Bella) pensa que sua vida se tornará uma grande monotonia. Porém, Bella não sabia o que estava por vir. Naquele lugar mora uma família, os Cullen, sendo Edward o mais atraente de todos, mas, sem razão nenhuma aparente, este mostra uma aversão por Bella, apesar de nunca lhe ter sequer dirigido a palavra.
Algum tempo depois, acabam por tornar-se amigos, mas Bella descobre, através de um amigo chamado Jacob Black que lhe conta lendas antigas, que os Cullen são vampiros – mas não se alimentam de sangue humano, atacando apenas animais.
Apesar disso, Bella está apaixonada por Edward, que nutre o mesmo sentimento por ela, e está disposta a pôr a sua vida em risco para prosseguir com a sua perigosa relação.
Algum tempo depois, Bella é perseguida por um vampiro sedento do seu sangue e acaba por ser salva por Edward e os restantes Cullen. Edward acaba por jurar a Bella que ficará com ela para sempre.



Excertos:

“Nunca reflectira longamente sobre a forma como morreria (…) Era decerto uma boa maneira de morrer: morrer no lugar de alguém, de alguém que eu amava.”
“Em três pontos, eu estava absolutamente segura. Em primeiro lugar, Edward era um vampiro. Em segundo lugar, uma parte dele – e eu não sabia qual era o poder dessa parte - ansiava pelo meu sangue. Por fim, em terceiro lugar, eu estava incondicionalmente e irrevogavelmente apaixonada por ele.”


Apreciação Crítica:
Crepúsculo é o primeiro livro da saga “Luz e Escuridão”. É um dos meus livros favoritos até agora – é uma história única que envolve mistério, romance e aventura. De leitura fácil e muito rápida, está carregado de suspense que nos impede de deixar a história a meio. Recomendo a todos a leitura deste livro porque não é uma história comum, é a história que todos esperávamos que nos acontecesse.

Cátia Fernandes

Sugestões de leitura - “Lua Nova”

“Lua Nova”

Sinopse:

Bella Swan, ao completar 18 anos, é surpreendida por Edward Cullen que resolve deixá-la, dizendo-lhe que já não a ama. Apesar de fazer isto com o intuito de a proteger e a todos os que ama, Bella fica num estado de apatia que só supera após se aproximar de Jacob Black.
Os dois começam a viver uma grande amizade, mas até aquele momento o segredo de Jacob ainda não havia sido revelado a Bella – Jacob é, na verdade, um jovem lobisomem.
Algum tempo depois, Bella cai de um penhasco e é salva por Jacob mas, devido a um mal-entendido, Edward pensa que Bella se suicidou e resolve tentar suicidar-se também. Para isso vai para Itália onde toma contacto com os poderosos vampiros Volturi. Bella consegue chegar a Itália a tempo de evitar a morte de Edward, que acaba por confesssar-lhe que sempre a amou.
De volta a Forks, Edward, em conjunto com todos os Cullen, resolve que mais tarde terá de transformar Bella num vampiro, pois, segundo os Volturi, ela é a única humana que sabe sobre os vampiros e, infelizmente, poderá tornar-se numa grande ameaça para todos.


Excertos:
“Eu sabia que ambos corríamos perigo de vida. Mesmo assim, naquele instante, sentia-me bem. Completa. O coração batia aceleradamente e o sangue corria-me, quente e veloz, nas veias. Os meus pulmões encheram-se do doce aroma que emanava da sua pele. Era como se nunca tivesse havido um buraco no peito. Sentia-me óptima – não curada, mas como se nunca tivesse existido qualquer ferida.”



Apreciação crítica:
“Lua Nova” traz-nos a emocionante continuação da história de amor entre Bella e Edward – um romance que foge ao cliché da “rapariga perfeita e infeliz” e do “rapaz mais interessante do liceu” a que estamos habituados. Totalmente incomum, apresenta-nos Bella, uma personagem real – imperfeita, com qualidades e defeitos – e Edward, um vampiro - o mais improvável personagem num romance, mas não um vampiro “comum”, um assassino – unidos por um amor impossível e indestrutível. Se juntarmos a este enredo nunca visto uma boa dose de suspense e uma escrita fabulosa, obtemos um livro que nos prende até à última página!

Inês Sousa

Sugestões de leitura - "Eclipse"

Eclipse, o 3º livro da saga “Luz e Escuridão”, dá-nos o seguimento da história de Bella e Edward. À medida que a cidade de Seattle é devastada por uma série de misteriosas mortes e uma vampira maliciosa continua com os seus planos de vingança, Bella encontra-se mais uma vez rodeada de perigo. No meio de tudo isto, vê-se forçada a escolher entre o seu amor por Edward e a sua amizade com Jacob – sabendo que a sua decisão tem o poder de reacender a luta intemporal entre vampiros e lobisomens. Com o fim da escola a aproximar-se velozmente, Bella tem mais uma decisão a tomar: a vida ou a morte. Mas qual é qual?

“(…)As probabilidades não pareciam estar a meu favor. Uns olhos negros, enlouquecidos pelo desejo cego da minha morte, esperavam pelo momento em que o meu protector se distraísse. Seria nesse momento que eu morreria. (…)”

Apreciação: Eclipse retrata a continuação das aventuras de Bella e Edward. É uma história de paixão e aventura como nenhuma outra. Só o facto de Bella se encontrar apaixonada por Edward faz com que corra perigo de vida. É emocionante e surpreendente até ao último momento do livro. Stephanie Meyer tem uma escrita completamente deliciosa e viciante… é impossível parar de ler.

Johanna Nunes

Sugestões de leitura - Diário de uma Nanny

Diário de uma Nanny

Tenho o prazer de vos apresentar esta grande obra: Diário de uma Nanny. Diário de uma Nanny é uma obra publicada em 2002 por duas autoras, desde então bastante conhecidas, Emma McLaughlin e Nicola Kraus.
Pessoalmente, adorei o livro. Cativou-me desde a primeira página até à última. Li-o em 3 dias. Foi saboroso e aliciante.
Devo dizer que já o tinha há bastante tempo, estava meio perdido na estante, e nunca fui suficientemente estimulada para o ler. Mas houve um dia que o encontrei e a capa chamou-me imenso à atenção. A minha impressão do livro talvez tivesse mudado por eu ter crescido.
E digo a capa porquê? Porque tem uma linda senhora de costas com um chapelinho que lhe serve de suporte para o seu suposto voo. Faz-nos lembrar aquelas fadas que vinham ajudar as criancinhas necessitadas com o seu chapéu. O chapéu é vermelho, num fundo branco, e a senhora está vestida de preto: de alguma forma, esta combinação de cores chama atenção ao leitor e faz lembrar o famoso filme “Música no coração”.
Logo que abro as primeiras páginas do livro, o tipo e o tamanho de letra satisfazem os meus requisitos para uma melhor leitura, mesmo que a história não me venha a interessar minimamente. Acho extremamente importante que um livro tenha uma boa apresentação tipográfica para não forçar os olhos do leitor, nem para o desinteressar (se estivermos a ler uma letra horrível, perdemos a vontade de forçar a vista a ler, mesmo que a história seja óptima).
Relativamente à história propriamente dita, um dos factos que me captou foi a história da família X. Esta história está tão bem conseguida que retrata na perfeição algumas famílias de hoje em dia, da nossa actualidade. Consegue fazer-nos pensar se existe mesmo este tipo de pessoas: aquelas que não querem saber dos filhos e não lhes dão a devida atenção e amor.
As autoras retratam esta situação de uma forma cómica e engraçada apesar de o que se está passar ser bastante sério e acho que é mesmo por isso que capta o nosso interesse.
Outro aspecto igualmente brilhante é a caracterização a personagem principal: a Nanny. Ela é retratada como sendo desajeitada, uma rapariga perdida no mundo da elite nova iorquina, tendo como objectivo ganhar dinheiro e dar aquilo que o Grayer não tem dos pais: atenção e amor.
Algumas leitoras, não estando eu incluída, podem, de alguma maneira, identificarem-se com esta jovem e isso é um aspecto bem conseguido pelas autoras.
Creio que também a forma como a Nanny lida com o mundo, estando sempre chateada, farta de tudo e de todos, não tendo vida própria, cria simpatia com a personagem e uma certa graça por ela parecer sempre tão queixosa.
A forma como escrevem as autoras, a linguagem que utilizam, é muito típica dos jovens de todo o mundo e, por isso, acho que o público alvo era mesmo os jovens adultos. E acrescento que este facto implica uma boa critica pois torna o livro bastante fácil de ler.
Encontro como única desvantagem o facto de ter imensos nomes de locais e pessoas em língua inglesa e situados na América. Para um português, isso consegue baralhar um pouco e torna-se difícil localizar na nossa mente os locais (a não ser que já os tivéssemos visitado).
Aconselho a leitura integral do livro e espero que saboreiem cada página!


Mafalda Viegas

Sugestões de leitura - "Equador"

Equador, Miguel Sousa Tavares

Uma viagem sem volta à linha que divide o mundo!

“Linha que divide a terra em hemisfério norte e sul”. É assim que Miguel Sousa Tavares começa o seu primeiro e fascinante romance: Equador.
Com uma escrita cativante e simples, o autor retrata a vida de um homem comum, Luís Bernardo, cujas opiniões e habilidades intelectuais o levaram a mudar-se de armas e bagagens para São Tomé e Príncipe, terra para além do Equador, de onde deriva o título do livro, para exercer funções de governador e ver assim toda a sua vida, antes sem rumo, completamente alterada.
Desde o início desta brilhante história que o autor desvenda, com grande originalidade e perspicácia, as duas facetas distintas acerca do trabalho escravo nas roças africanas. Esta visão tão realista e a contextualização pormenorizada que o autor traduz na sua escrita permitem ao leitor a sensação de estar a respirar o ar quente e húmido daquelas terras e o querer desfolhar as páginas do livro sem que se aperceba que está junto de Luís.
Apesar de, na globalidade, estarmos perante um excelente romance, penso que há somente dois factos criticáveis no desenrolar da narrativa: um deles resume-se a grande parte dos acontecimentos finais e importantes ocorrerem tão inesperadamente que, em cerca de vinte páginas, vemos todo o fim subitamente desvendado e com grande surpresa temos de nos despedir das personagens; o outro cinge-se ao facto de se poderem dispensar algumas passagens, como alguns momentos políticos, que nos levam a perder o verdadeiro rumo da acção.
Aproveito esta oportunidade para elogiar a forma como o autor nos ilude, até ao último momento, fazendo crer que o desfecho deste romance seria diferente daquele que se revelou e também a destreza com que o escritor insere no romance Ann, uma personagem sem complexos, que dá ao livro um lado recheado de ousadia e transgressões, facto que contrasta com a sociedade de São Tomé e consequentemente altera a vida a Luís Bernardo.
Sílvia Balhana
Para ti, uma vida nova” de Tiago Rebelo

“Para ti, uma vida nova” é o título de um livro que apreciei muito ler, por vários aspectos.
A história apresenta uma excelente qualidade narrativa e um enredo muito bem articulado e estruturado.
A linguagem utilizada pelo escritor é cativante porque, além de ser muito simples e familiar, os diversos momentos vividos pelas personagens são apresentados de uma forma delicada, original e com uma enorme vivacidade. Tiago Rebelo faz-nos interiorizar de tal modo na história, que nos transmite o estado de espírito das personagens e de cada situação passada por elas, e, por vezes, parece que visualizamos o que ele descreve e relata no livro.
Posso também afirmar que o título “Para ti, uma vida nova” foi uma escolha inteligente pois adequa-se perfeitamente à história, especialmente ao final, visto que, de facto, Miguel, apesar de tudo, ofereceu uma vida nova a Cristina, o que traz algo de positivo no meio de uma desgraça.
Embora só tenha aspectos positivos a referir, há uma certa altura que parece que a história do livro vai ter um final vulgar, sem nada de surpreendente, mas de seguida desenvolvem-se uma série de acontecimentos que recuperam logo o nosso entusiasmo.
Concluindo, a leitura deste livro é leve e breve, pelo que o aconselho a qualquer pessoa.

Marta Catarino

Sugestões de leitura - “O Hobbit”

“O Hobbit” de John Tolkien

O livro “O Hobbit”, de John Tolkien, foi escrito para crianças, apresentando-nos um extraordinário mundo de fantasia com criaturas que vão desde homens, elfos, anões, hobbits (como não podia deixar de ser, devido ao próprio nome do livro) até criaturas “malignas” como trolls, goblins, lobos e aranhas gigantes, para além do dragão Smaug.
A personagem central deste livro é o pequeno Bilbo que, no início, é um hobbit preguiçoso, tímido, que gosta de comer todas as suas refeições (não podendo ficar nenhuma esquecida), e que, em especial, não gosta de se aventurar muito. Mas, no fim da acção do livro (que envolve lutas com as mais variadas criaturas), esta personagem mostra-nos uma evolução espectacular visto que passa a ser um hobbit aventureiro, confiante e perspicaz.
Também é importante destacar os elementos surpresa que vão sendo “inseridos” ao longo de toda a acção do livro, os perigos pelos quais as personagens passam, a descrição das personagens e dos variados cenários que Tolkien vai fazendo ao longo do livro, pois todos estes elementos permitem ao leitor “entrar” no livro e “conviver” com as personagens. Tudo isto, aliado à escrita aprazível de Tolkien, faz com que sejamos invadidos pelos mais variados sentimentos/emoções, ajudando também para este facto o ritmo criado ao longo da história.
Por fim, acho que o facto de todas as histórias para crianças apresentarem uma moral sobre a vida é importante para o desenvolvimento pessoal destas. Esta história também não fica atrás realçando a importância dos amigos e o facto de que devemos esquecer as diferenças que apresentamos entre nós pois, como alguém dizia, somos “todos diferentes, todos iguais” e devemos tentar viver em harmonia.
Assim, na minha opinião, acho que este é um livro que todos deviam ler e apreciar pois, se ler é considerado por muitos como viajar, este livro devia ser um roteiro que todos deviam ter a oportunidade de desfrutar.

Joana Calmeiro

Sugestões de leitura - "O velho que lia romances de amor"

O velho que lia romances de amor é uma das mais aclamadas obras do chileno Luís Sepúlveda, escritor já caracterizado pelo seu amor pela natureza e pela mãe-terra.

Nesta curta viagem de cento e dez páginas, somos convidados a conhecer a vida de António José Bolívar Proaño, à primeira vista apenas mais um colono da aldeia de El Idilio, no Brasil. No entanto, rapidamente percebemos que é muito mais que isso. O autor consegue agarrar numa personagem aparentemente simples, e dar-lhe um passado complexo, cheio de aventura e drama, que nos mantém interessados da primeira à última página.
O livro tem uma estrutura relativamente simples: começa por nos apresentar um pouco do que é exterior a António Bolívar, as circunstâncias em que vive, e com quem convive, e vai desenvolvendo a personagem ao longo do texto, alternando entre narrativas no passado e uma história no presente.
A linguagem simples, mas extremamente apelativa, faz-nos sentir como se cada frase fosse mais um hectare da Amazónia, enquanto a exploramos e isso apenas mostra a densidade com que o livro nos absorve.
É espantoso o quanto aprendemos sobre a natureza sobre como conviver com ela em apenas cento e dez páginas! O livro apresenta uma extraordinária capacidade descritiva, o que nos mantém agarrados e viciados na história, enquanto nos situamos nos “flashbacks” e tentamos compreender os planos e a maneira de pensar de António Proaño. Também a maneira como todas as outras personagens são apresentadas cria em nós um elo de ligação com elas tão profundo que nos faz sentir em casa durante toda a leitura.
Concluindo, O velho que lia romances de amor é uma prosa curta, cinematográfica, mas extremamente viciante, que nos obriga a parar apenas no fim. Recomendo a todos os apreciadores de literatura, e não só.

Filipe Cardoso

Sugestões de leitura - "Equador"

Equador, Miguel Sousa Tavares
Equador é um livro escrito por Miguel Sousa Tavares, jornalista e escritor nascido no Porto. Neste romance, ele leva-nos a embarcar numa aventura que começa na metrópole, estende-se até à Índia e termina no arquipélago de S. Tomé e Príncipe.
Na minha opinião, este livro é de fácil leitura. Conseguiu prender a minha atenção desde o início até ao fim. À medida que fui avançando nas páginas, fui ficando cada vez mais fascinado com a descrição da paisagem da ilha feita pelo narrador. A água quente da praia, o clima tropical húmido, a vegetação verde e a comida, todas essas coisas foram descritas de uma forma espectacular que me fez sentir como se estivesse lá a presenciar tudo. E a paisagem natural foi apenas uma das coisas que me encantou.
Um outro aspecto que me agradou foi a construção das personagens. E vou citar apenas algumas que acho importantes: Luís Valença e o casal inglês, David e Anne. Luís foi nomeado pelo rei de Portugal governador de S. Tomé e Príncipe. Ele viu-se obrigado a abandonar a sua carreira de advogado, deixar para trás a sua vida e os seus amigos para se aventurar numa terra conhecida como o “fim do mundo”. Este governador mal chegou, começou logo a deixar a sua marca, mostrando ser competente e lúcido. O que mais me agradou foi a sua decisão de defender dois trabalhadores que estavam a ser acusados de terem abandonado o seu posto de trabalho. Ele defendeu-os mesmo sabendo que a maior parte dos cidadãos brancos iria ver aquilo com maus olhos. Do meu ponto de vista, foi o seu alto sentido de justiça que o levou a correr esse risco.
Este episódio e o episódio do seu envolvimento com Anne, a mulher de David Jameson, iriam virar-se contra ele, deitando por terra a sua missão. Quando o seu romance com Anne foi descoberto, Luís viu-se entre a espada e a parede, pois os principais administradores das roças utilizaram isso para o chantagear. Não sabendo mais o que fazer para mudar o rumo que as coisas estavam a tomar e compreendendo que a promessa de levar uma vida de conto de fadas com Anne se revelara impossível, Luís Bernardo Valença decidiu pôr termo à sua vida por considerar não haver mais nada por que valesse realmente a pena viver e lutar.
Esta foi a parte que mais me desagradou nesta história. Digo isto porque me fez descobrir que aquela figura, aparentemente bem formada, inteligente e de fortes convicções, afinal era uma pessoa fraca e incapaz de suportar privações.

Alexandre

Sugestões de leitura - "A Árvore dos Segredos"

A Árvore dos Segredos

Sofia Solanas é uma menina criada num magnífico rancho nas pampas argentinas. Mimada, determinada, e amada por todos os que a rodeiam à excepção da mãe, Anna.
Sofia envolve-se apaixonadamente com o primo Santiago, mas, quando os pais descobrem, mandam-na para a Europa separando Sofia da pessoa que mais ama. Esta parte para a Europa sem nunca chegar a dizer a Santiago que esperava um filho dele, pelo que mais tarde, quando tem a criança, a deixa num orfanato e parte para Londres.
Os anos passam e cada um refaz a sua vida separadamente, até que um dia, 20 anos mais tarde, uma tragédia familiar faz Sofia regressar a Buenos Aires.
Santiago e Sofia não escondem a emoção que sentem, pois o amor destes foi horrivelmente proibido. Sofia aproveita a ocasião para contar que esperava um filho dele na altura em que os separaram.
Mais tarde, Sofia descobre que o seu filho e de Santiago está no rancho da família. Fora seu pai que mandara adoptá-lo e assumi-lo como filho da governanta. Ambos voltam para debaixo da árvore que viu este amor crescer e decidem não prejudicar as pessoas que amam ficando juntos. Sofia volta para Inglaterra levando um Ombu consigo para plantar lá.

Apreciação Crítica

A Árvore dos Segredos é um livro acessível a nível de escrita, está muito bem estruturado e mesmo a nível de pesquisa sobre a cultura da Argentina é fiel.
Em relação à história, eu pessoalmente gostei bastante, é narrada de forma contínua e coerente, ou seja, não fica parada sempre no mesmo ponto.
Elogio a autora pelo argumento do livro que foi assumido como um dos melhores por conceituados jornais ingleses.
Quanto à capa, falando da edição que foi lançada em Portugal, penso que está de acordo com a história uma vez que na capa tem uma rapariga e um cavalo, a mesma tem o cabelo solto, o que transmite uma sensação de liberdade que vai de encontro com a personagem “Sofia” que é caracterizada no início do romance.
Aconselho vivamente a lerem este livro porque é de facto uma boa história.

Hélia Sacramento

sábado, 16 de janeiro de 2010

Alguns excertos do livro O Professor, de Frank Mc Court

Para reflectir....

As escolas profissionais eram vistas por muita gente como um repositório de alunos mal preparados para os liceus académicos. Isso era uma atitude snobe. Às pessoas não interessava que milhares de jovens quisessem ser mecânicos de automóveis, esteticistas, maquinistas, electricistas, canalizadores ou carpinteiros. Que não quisessem ter a Reforma, a Guerra de 1812, Walt Whitman, o gosto pela arte, a vida sexual da mosca da fruta a maçar-lhes a cabeça.
Mas, se temos mesmo de fazer isso, então façamo-lo. Vamos sentar-nos a ter essas aulas que não têm nada a ver com a nossa vida. Vamos trabalhar em lojas onde aprendemos o que é o mundo real e tentar ser simpáticos para os professores e safarmo-nos daqui ao fim de quatro anos! Puuf!
p. 26

Toda a gente dizia que, assim que recebesse o certificado, não teria problemas em arranjar trabalho. Quem é que queria um emprego daqueles? Tantas horas de trabalho, um ordenado tão baixo e quem é que nos agradecia por aturarmos os turbulentos miúdos americanos? Era por isso que o país estava sem professores.
pp. 71 e 72

Segundo as minhas contas, cerca de doze mil rapazes e raparigas, homens e mulheres, se sentaram a ouvir-me dar aulas, entoar cânticos, incitar, divagar, cantar, declamar, recitar, rezar e ficar sem palavras. Penso nessas doze mil pessoas e interrogo-me sobre o impacto que terei tido sobre elas. Depois penso no impacto que tiveram em mim.~
p. 83

Meu Deus! Numa oficina ninguém precisa de parágrafos para nada.
Se falarmos com agressividade ou rispidez, perdemo-los. É isso que, em geral, recebem dos pais e das escolas. Se contra-atacam com o seu silêncio, aquela turma está acabada para nós. (…) Eles sabem que o espectáculo dura quarenta e cinco minutos, nós contra eles, trinta e quatro adolescentes nova-iorquinos, os futuros mecânicos e operários da América.
p. 85

Aqueles pombos desavergonhados, indiferentes à excitação dos adolescentes da minha sala, copulam no parapeito da janela e isso é mais sedutor do que a melhor aula do melhor professor do mundo.
p. 87

Na escola McKee havia duas vezes por ano o Dia da Escola Aberta e a Noite da Escola Aberta, em que os pais iam à escola ver qual o desempenho dos filhos. Os professores recebiam os pais nas salas de aula, conversavam com eles e ouviam as suas queixas. (…) Nunca ninguém me ensinou como deveria lidar com os pais no Dia da Escola Aberta.
p. 87

Uma das coisas que eu estava a aprender era que os professores e os alunos têm de se manter unidos perante os pais, os supervisores e o mundo em geral.
p. 88

Estou a ficar irritado e com vontade de gritar, Porque é que são tão estúpidos? Nunca tiveram uma lição de gramática? Valha-me Deus, até eu tive aulas de gramática, e em irlandês. Porque é que eu tenho de aguentar isto, com um sol tão lindo e os pássaros a cantarem lá fora? (…) Há dias em que adoraria ir-me embora e bater com a porta…”
p. 94

Todas as turmas têm a sua química. Há turmas de que gostamos e às quais estamos sempre desejosos de dar aulas. Eles sabem que o professor gosta deles e, em recompensa, gostam do professor. Às vezes até lhe dizem que a aula foi muito boa e o professor sente-se nos píncaros. Isso dá-lhe energia e vontade de cantar no caminho para casa.
Há turma que nos dão vontade de apanhar o ferry boat para Manhattan e nunca mais voltar. Há uma espécie de hostilidade na forma como entram e saem da sala que não nos deixa dúvidas sobre a opinião que têm de nós. Mas pode ser imaginação nossa e tentamos descobrir uma maneira de os trazer para o nosso lado. Experimentamos dar aulas que resultam com outras turmas, mas nem mesmo isso resulta. Tudo por causa da tal química.
p. 95



Disse-lhes que tinham o direito de pensar pela sua própria cabeça.
Silêncio na sala de aula.
Não têm de engolir tudo o que vos digo. Ou o que qualquer outra pessoa vos diz. Podem fazer perguntas. Se não souber a resposta, podemos ir à biblioteca ou discutir a questão aqui.
Olham uns para os outros. Este homem diz coisas com piada, Diz que não temos de acreditar nele. Estamos aqui para aprender Inglês, para podermos passar. Temos de tirar o curso.
Queria ser o Grande Professor Libertador, obrigá-los a deixar de estar de joelhos depois de dias de trabalho árduo em escritórios ou fábricas, ajudá-los a libertarem-se das grilhetas, levá-los até ao cimo da montanha para poderem respirar o ar da liberdade. Quando as suas mentes estivessem libertas de frases feitas, ver-me-iam como o seu salvador.
A vida já era suficientemente dura para as pessoas daquela turma sem terem de ter um professor de Inglês a pregar-lhes que tinham de pensar e a maçá-los com perguntas.
Nós só queremos é sair daqui.
p. 140

Não ficamos comodamente sentados, percebe? Queremos subir cada vez mais. Quais são os seus planos a longo prazo?
Não sei. Vim para cá para ser professor.
Abanou a cabeça. Não conseguia perceber a minha falta de ambição. Tinha de ser mais dinâmico. Tinha sido graças a ele que aqueles quatro professores estavam a fazer cursos que lhe permitiriam subir e deixar de dar aulas. Foi o que ele disse. Porque haviam de passar o resto da vida na escola a aturar miúdos, se podiam andar pelos corredores do poder?
Tive um momento de coragem e perguntei-lhe, Se toda a gente subisse assim, quem é que dava aulas aos miúdos?
p. 143

Os reitores querem ordem, rotina, disciplina. Percorrem os corredores. Espreitam pelo vidro das portas das salas de aula. (…) Os bons professores não deixam o navio à deriva. Mantêm a disciplina e isso é uma coisa fundamental numa escola profissional de Nova Iorque, para onde, por vezes, os gangues trazem os seus problemas.
p. 171

É isto que acontece nas escolas públicas americanas: quanto mais nos afastamos da sala de aula, maior é a nossa recompensa, quer em termos profissionais, quer pessoais. Depois de obtermos o certificado, damos aulas durante dois ou três anos. Fazemos cursos de administração, supervisão, orientação escolar e, com os novos certificados, podemos passar para um gabinete com ar condicionado, casa de banho privativa, almoços demorados e secretárias. Não temos de aturar bandos de miúdos malcriados. Escondemo-nos no nosso gabinete e nem sequer temos de os ver, quanto mais aturá-los.
p. 180

Se pedíssemos aos alunos das nossas cinco turmas que escrevessem, cada um, um texto com trezentas e cinquenta palavras, ficaríamos com cento e setenta e cinco vezes trezentos e cinquenta, o que daria quarenta e trem mil setentas e cinquenta palavras que era preciso ler, corrigir, avaliar e classificar aos serões e aos fins-de-semana. E isso, se tivéssemos o bom senso de lhes dar apenas um trabalho por semana. (…) Todos os dias levava para casa livros e testes numa pasta castanha de imitação de pele. A minha intenção era sentar-me numa cadeira confortável e ler os testes mas, depois de dar aulas a cinco turmas, num total de cento e setenta e cinco adolescentes, não me apetecia nada prolongar o dia com os trabalhos deles.
pp. 211 e 212

Antes da Stuyvesant, era mais um mestre-escola do que professor. Gastava uma parte do tempo da aula com coisas de rotina e de disciplina: a mandá-los sentar e abrir os cadernos, a responder aos seus pedidos para irem à casa de banho, a lidar com as suas queixas. Mas, agora, já não tinha pela frente alunos irrequietos nem conflituosos.
Não havia queixas de que alguém tinha empurrado alguém ou tinha siso empurrado. Não havia sandes pelo ar. Não havia desculpas para não ensinar.
p. 228

Estava a encontrar a minha voz e o meu estilo de dar aulas. Estava a aprender a sentir-me bem na sala de aula. Tal como o Roger Goodman tinha feito, o novo chefe de departamento, Bill Ince, dava-me rédea solta para experimentar ideias novas sobre escrita e literatura, para criar o meu próprio ambiente na sala de aula, para fazer o que quisesse sem interferências burocráticas, e os meus alunos eram suficientemente maduros e tolerantes para me deixarem descobrir o meu caminho sem a ajuda da máscara nem da caneta encarnada.
p. 229

Desapreça sem deixar nenhum legado, apenas a recordação de um homem que transformou a sala de aula num recreio, numa sessão de rap e num fórum de terapia de grupo.
Porque não? Que se lixe. Pensando bem, para que servem as escolas? Pergunto-vos, será que compete ao professor fornecer carne para canhão ao complexo militar-industrial? Ou criar embalagens para a linha de montagem empresarial?
p. 237

A única coisa que lhes interessa é o sucesso e o dinheiro, o dinheiro, o dinheiro, diz a Connie. Têm grandes expectativas para os filhos, grandes ambições, e nós somos uma espécie de trabalhadores numa linha de montagem a pôr uma pequena peça aqui, outra ali, até sair o produto final, prontos a agradar aos pais e às empresas.
p. 261

Descobre o que gostas de fazer e faz. É tão simples quanto isso. Admito que nem sempre gostei de ensinar. Era demais para mim. Estamos sozinhos na sala de aula, um homem ou uma mulher com cinco turmas por dia, cinco turmas de adolescentes. Uma unidade de energia contra cento e setenta e cinco unidades de energia. Cento e setenta e cinco bombas-relógio. Temos de descobrir maneiras de salvarmos a vida. Eles podem gostar de nós, podem até adorar-nos, mas são jovens e a função dos jovens é expulsar os velhos do planeta. Sei que estou a exagerar mas é como um pugilista que vai para o ringue ou um toureiro que entra na arena. Podemos ser deitados ao tapete ou levar uma cornada, e é o fim da nossa carreira de professores. Mas, se persistirmos, aprendemos os truques. É difícil, mas temos de nos sentir à-vontade na sala de aula. Temos de ser egoístas. (…)
A sala de aula é um lugar de emoções fortes. Nunca saberemos o que fizemos pelas centenas de alunos que chegam e partem. Vemo-los a saírem da sala de aula: sonhadores, impávidos, trocistas, sorridentes, confusos. Ao fim de alguns anos, começamos a ter antenas. Percebemos quando conseguimos chegar até eles ou quando os afastamos. É química. É psicologia. É instinto animal. Estamos com os miúdos e, se quisermos mesmo ser professores, não há fuga possível. Não contes com a ajuda dos que fugiram à sala de aula, as pessoas dos gabinetes. Estão muito ocupados a almoçar e a desenvolver grandes ideias. És só tu e os miúdos. Pronto, a campainha. Até depois. Descobre o que gostas de fazer e faz.
pp. 283 e 284

Um olhar sobre o livro O Professor, de Frank McCourt

O PROFESSOR QUE AMAVA A ESCRITA

(pode ser consultado em www.educacao.ufrj.br/revista/indice/.../prof_amava_escrita.pdf )

Trata-se de um livro autobiográfico de Frank McCourt, norte-americano, nascido em 1930, que viveu na Irlanda até retornar aos Estados Unidos em busca de trabalho. Foi estivador, serviu ao exército americano na Alemanha, ganhou uma bolsa de estudos destinada a ex-militares e, com dificuldade, formou-se professor de inglês pela New York University. Sua carreira no magistério começou tarde, em New York, numa escola secundária profissionalizante, tentando ensinar literatura e gramática a futuros eletricistas, encanadores, mecânicos, esteticistas e cabeleireiras – garotada inquieta, com os hormônios explodindo, pronta para testar e dobrar qualquer professorzinho novato.
Após alguns anos de magistério, Frank fez mestrado e passou por uma breve e mal sucedida experiência no ensino superior. Iniciou, mas não conseguiu concluir, um doutorado em literatura, em Dublin. Retornou ao ensino médio profissionalizante. Trabalhou por algum tempo como substituto eventual, cobrindo faltas ou licenças de professores de várias matérias. Sua carreira ia ladeira abaixo, quando uma amiga convidou-o para trabalhar como substituto na conceituada Escola Secundária Stuyvesant, em Nova York, cujo concurso de seleção atraía milhares de candidatos ao ensino médio. Os aprovados eram a nata dos estudantes secundaristas, sérios, motivados, aplicados, que se preparavam para entrar nas melhores universidades. Nesta escola, Mc Court finalmente desabrochou: seu estilo diferente de ensinar, de incentivar a leitura e a escrita, foi reconhecido e apreciado. Ganhou uma vaga no quadro de professores. Além de inglês, ensinou “redação criativa", espécie de oficina literária na qual deu vazão à criatividade e ao talento para contar histórias.
Após 30 anos de magistério, McCourt encerrou sua carreira. Aposentado, aos 66 anos, fez algo que desejava há muito tempo: escreveu um romance sobre sua infância e juventudes miseráveis na Irlanda. Até então só havia publicado uns poucos artigos em revistas literárias.
Aconteceu o improvável: seu primeiro livro, Angela’s ashes, ganhou o Prêmio Pulitzer, o Prêmio do Círculo Nacional de Críticos, entre outros. O autor tornou-se uma celebridade nacional. Seu livro foi adaptado para o cinema e, em 1999, resultou num filme belíssimo, dirigido por Alan Parker e estrelado por Emma Thompson, cujo nome em português é As cinzas de Ângela.
Voltando a Ei, professor, Frank McCourt diz que entre todas as infâncias miseráveis nenhuma era pior que a dos católicos irlandeses, em Dublin, nas primeiras décadas do século XX. Sua história inclui pai alcoólatra, que desertou da família, irmãos que morreram à míngua de comida e remédios, muito frio, chuva e umidade, mãe implorando ajuda à igreja e sendo humilhada. Ao lado disso, a escola católica incutindo fundo a noção de pecado: o pecado original era lavado pela água do batismo, mas a alma infantil rapidamente se tornava suja. Cada criança era convidada pelo professor a dizer como tinha maculado a própria alma com um dos terríveis pecados capitais.
A história de vida de McCourt alimentou-o como escritor, mas antes disso deu- lhe material para as aulas. Quando ingressou no magistério, ficou perdido diante dos adolescentes novayorquinos, e o meio que encontrou para estabelecer contato, para comover, inspirar, interessar e intrigar seus alunos foi contar-lhes pedaços de sua vida. As narrativas orais provavelmente eram mais atraentes que a leitura dos textos literários previstos no programa e, sem dúvida, mais interessantes que a gramática. Assim que o professor anunciava um conteúdo escolar - os termos da oração, a análise do poema de fulano, o “significado profundo” do romance X - os alunos se punham a gemer, a suspirar, a resistir. Como forma de resistência, faziam perguntas ao professor, para provocá- lo a falar da Irlanda ou do seu passado de trabalhador braçal. Frank reconhecia nisso uma velha estratégia juvenil que ele próprio já havia usado - distrair o professor com assuntos fora do programa para evitar que desse aula. Mesmo assim, cedia aos pedidos e, com seu sotaque irlandês carregado, narrava o mundo da pobreza, da miséria e dos maus tratos para adolescentes americanos da classe trabalhadora, que tinham casas aquecidas, comida abundante, armários cheios de roupa, televisão, lanchonetes, quadras de esportes e brigas de gangues. Os
alunos ficavam atentos, faziam perguntas, dialogavam. No magistério, diz Mc Court, a história de sua vida salvou- lhe a vida.
A popularidade junto aos alunos vinha acompanhada de problemas com os supervisores e com os pais. Supervisores que visitavam salas de aula queriam ver alunos escrevendo, ou atentos ao professor, sentados corretamente, tomando notas e levantando a mão antes de fazer uma pergunta. E os alunos? Estes queriam conversar, atirar sanduíches uns nos outros, namorar, devanear, criar caso, ler e escrever o mínimo possível, arranjar desculpas para não apresentar os trabalhos e, se não fosse pedir muito, tirar boas notas. O tempo de escola era um interlúdio antes da entrada no mundo real do trabalho na fábrica e na oficina, do casamento, dos filhos, do divórcio, talvez de outro casamento, dos netos, da velhice. Afinal, por que aprender literatura e
gramática?
Os pais de alunos tinham opiniões diferentes. Apareciam nas reuniões para saber como estava indo o seu Stanley, se era respeitador, se estava aprendendo o necessário para tirar o diploma – aliás, professor, que história é essa de ficar lhes contando a história de sua infância infeliz? – perguntavam. E para que ele precisa aprender a soletrar usufruto, condigno e outras palavras que ninguém conhece?
Os professores veteranos eram pródigos em conselhos: não dê confiança aos alunos, não deixe que saibam coisa alguma a seu respeito, organize-se, transmita a matéria, corrija os exercícios, faça provas, use a caneta vermelha e o livro texto. Se algum aluno tem problemas, mande-o para o orientador pedagógico. Nós não somos psicólogos. Não temos tempo. Não temos nada a ver com isso.
Os professores da Universidade que ensinaram pedagogia e didática nunca falaram de situações insólitas, como sanduíches voadores, ou muito comuns, como garotos em crise de identidade, pais brutais, alunos desmotivados. Ensinavam a dar aulas, mas não sabiam dá-las.
Aos poucos, McCourt foi descobrindo seu jeito de ser professor de inglês e de incentivar alunos recalcitrantes a escrever. Por exemplo, bilhetes de desculpa.
Na escola norte-americana, é praxe os pais enviarem um bilhete justificando faltas, atrasos, deveres de casa e trabalhos não concluídos etc. De modo geral, é preciso ter o chamado bilhete de desculpa para entrar na escola após uma falta.
Um belo dia, enquanto os alunos estavam ocupados com uma prova, McCourt debruçou-se sobre a gaveta em que guardava os bilhetes de desculpas e começou a relê-lo. Já sabia que a maioria deles era escrita pelos próprios alunos.
A gaveta estava repleta de exemplos de um talento americano jamais mencionado em canções, em contos ou em estudos universitários. Como eu pude ignorar aquele tesouro, aquelas pepitas de ouro de ficção, fantasia, criatividade, grandiloqüência, autopiedade, problemas familiares, aquecedores que explodem, tetos que desabam, incêndios que consomem quarteirões inteiros, bebês e bichos de estimação que mijam no dever de casa, nascimentos inesperados, ataques do coração, doenças abortos, assaltos? Ali estava a escrita do ensino médio americano no que tinha de melhor - cruel, real, premente, clara, concisa, mentirosa.(p.93)
McCourt copiou e reproduziu uma série de bilhetes, omitindo os nomes dos autores, e distribuiuos, pedindo que os lessem em voz alta. “Quero que vocês entendam que esta é a primeira turma do mundo que estuda a arte do bilhete de desculpa, a primeira turma de todos os tempos a treinar a redação desses bilhetes” (p. 95). O professor, então, propôs que se imaginassem como adultos e escrevessem um bilhete de desculpa para uma filha de 15 anos por ter tirado notas ruins em inglês. Os alunos começaram a escrever com a maior disposição.
Terminada a tarefa, os alunos pediram mais. Mc Court propôs que escrevessem um bilhete de desculpas de Adão (ou de Eva) para Deus. A proposta foi acolhida com entusiasmo e a atividade se prolongou, com uma lista de personalidades cujas desculpas poderiam ser escritas: Judas, Átila, o Huno, Lee Harvey Oswald, Al Capone, políticos dos Estados Unidos.
Esse projeto foi um sucesso entre os alunos e até mesmo elogiado pelo supervisor, que
recomendou, no entanto, que o professor limitasse os personagens a figuras mais afastadas no tempo: Al Capone, por favor, não deveria ser contemplado.
Aos poucos, os achados de McCourt foram se multiplicando.
Na prestigiada Escola Secundária Stuyvesant, havia uma população heterogênea, não apenas imigrantes de primeira e segunda geração, como nas escolas profissionalizantes, mas também alunos de classe média e classe média alta. Mc Court foi convidado para ensinar redação criativa e inventou outras novidades. Para mostrar que é possível escrever sobre assuntos banais, provocava os alunos perguntando “o que você jantou ontem á noite?” Era o ponto de partida para
histórias que envolviam personagens - pai, mãe, irmãos -, seus modos de viver, seus conflitos.
Graças ao apoio do diretor, do supervisor e ao interesse dos alunos, Mc Court foi se afirmando. Conseguia agora entremear suas famosas narrativas com atividades de leitura e produção de textos. Os alunos criaram uma verdadeira novela a partir da oração “John foi à loja”. Tiveram aulas de redação baseadas em resenhas de restaurantes de uma jornalista especializada em gastronomia e aprenderam a escrever textos similares, que circularam extramuros, sobre os locais que freqüentavam: a lanchonete da escola, as pizzarias da vizinhança, os vendedores ambulantes. Entre outras novidades, Mc Court promoveu a leitura de receitas culinárias estrangeiras que soavam como poemas, com acompanhamento musical.
Tentou mostrar aos alunos interessados em escrever literatura que o escritor está sempre escrevendo.
Estamos escrevendo em todos os momentos da vida. Mesmo nos sonhos a gente está
escrevendo. Quando a gente caminha pelos corredores desta escola encontra diversas
pessoas no caminho e escreve ferozmente dentro da cabeça. Aí está o diretor. É
preciso tomar uma decisão, uma decisão sobre o cumprimento. Vou acenar com a
cabeça? Vou sorrir? Vou dizer, bom dia senhor Baumel? Ou vou simplesmente dizer,
Oi? (...) Há tantas maneiras de dizer oi. Murmurar, gorgear, latir, cantar, bramir, rir, tossir. Uma simples caminhadinha pelo corredor dá material para muitos parágrafos, muitas frases dentro da nossa cabeça, decisões aos montes.
Conclusão
Mc Court retratou, de modo íntimo e pessoal, sua carreira acidentada, sobre a qual refletiu com ironia e franqueza. Texto de leitura agradável, com uso abundante de discurso direto, Ei, professor não é um livro de pedagogia, não é prescritivo, não é acadêmico: é a narrativa inspirada de um bom escritor que foi também professor. O autor tem ouvido finíssimo para a língua oral, seus diálogos são brilhantes. A tradução, que mantém o tom coloquial, foi feita por Rubens Figueiredo, jovem e destacado escritor, também professor de língua portuguesa.
Além de ser uma biografia romanceada, o livro de McCourt é um depoimento curioso e crítico sobre o ensino médio em escolas públicas novayorquinas do fim dos anos 50 aos 80. Descreve o cotidiano das escolas, os rituais, as regras de convivência, as exigências do sistema em relação a alunos e professores, as injustiças, as picuinhas. Não o faz de maneira acadêmica. Narra incidentes da vida escolar de forma tão viva que os personagens ganham corpo e voz, como se os víssemos no cinema. Note-se que Mc Court não viveu o pesadelo atual de matanças ocorridas em escolas norte-americanas. Cita a preocupação dos pais de alunos da Escola Stuveysant com o
possível uso de drogas por seus filhos, fala de um ou outro aluno com problemas nessa área, mas o assunto não mobiliza sua atenção. A última escola em que trabalhou era uma ilha de excelência num sistema educacional que enfrentava e enfrenta problemas gravíssimos.
O autor fala com franqueza de seus conflitos: estava sempre dividido entre o dever de ensinar a matéria e o desejo pungente de dar aulas interessantes, de ser respeitado, amado e admirado pelos alunos. O que mais temia era a indiferença. Revela o sentimento de inferioridade que o perseguiu a vida toda, a consciência de classe como menino pobre na Irlanda, mais tarde trabalhador braçal em New York, e estudante mal sucedido, que não conseguiu acabar o doutorado. Há um pouco de autopiedade nos seus relatos, mas também muito humor. Mc Court não é e não se considera um modelo de professor. Às vezes, ficava saturado, com a cabeça tão
cheia de conversas juvenis que não sabia mais quem era ou o que desejava. Em outros
momentos, descobria-se ansioso para entrar na sala de aula, para continuar o que vinham fazendo de interessante ou propor alguma coisa nova.
Já sabemos que os alunos do ensino médio – no Brasil e nos Estados Unidos - em geral não querem ler os clássicos, desconfiam de textos literários, não imaginam que possam escrever.
Sobre estes assuntos, o modesto professor Mc Court tem algo a ensinar. Ninguém escreve com vontade se não tiver algo a dizer. O mundo está aí para ser lido e escrito, mas é preciso abrir os olhos para o inusitado que se esconde atrás do familiar. As pessoas podem se tornar autores, ou não, mas todos podem conhecer o encantamento da literatura. Como diz o autor na dedicatória:
“Cantem sua música, dancem sua dança, contem suas histórias.”
Marlene Carvalho

MC COURT, Frank. Ei, Professor. Tradução de Rubens Figueiredo. Rio de Janeiro: Editora
Intrínseca, 2006.

Início do livro O Professor, de Frank McCourt

“Aí vêm eles.

E eu não estou preparado.

Como poderia estar?

Sou um novo professor e estou a aprender, trabalhando.

No primeiro dia da minha carreira como professor, quase fui despedido por comer a sandes de um aluno de liceu. No segundo dia, quase fui despedido por mencionar a possibilidade de se ser amigo de uma ovelha. Tirando isto, não houve nada de especial nos quase trinta anos que andei pelas salas de aula dos liceus de Nova Iorque.
Perguntava muitas vezes a mim próprio se deveria estar ali. E no fim perguntei a mim próprio como é que me tinha aguentado tanto tempo.” (p. 23)

Sobre o livro O Professor, de Frank McCourt

«O ensino perdeu um professor mas o público ganhou um escritor.»
Kirkus Review

«Uma obra autobiográfica fascinante.»
Los Angeles Times

«Os muitos fãs de McCourt irão decerto adorar este livro, que também deveria constituir leitura obrigatória para todos os professores nos EUA.»
Publisher´s Weekly

«O Professor é uma despedida irresistível de um homem que encontra a sua voz na sala de aula, na escrita e na sua alma.»
The New York Times Book Review

«As últimas 50 páginas da terceira autobiografia de Frank McCourt é o melhor que alguma vez se escreveu sobre o ensino, a aprendizagem e sobre encontrar-se a si mesmo através da escrita.»
USA Today

«Uma história encantadora e comovente… McCourt descreve o professor que todos desejaríamos ter tido.»
Washington Post

O Professor - Prólogo

Frank McCourt,O Professor,Editorial Presença

PRÓLOGO

Se eu soubesse alguma coisa de Sigmund Freud e de psicanálise,
saberia explicar todos os meus problemas através da minha
infância miserável na Irlanda. Essa infância tirou-me a auto-
-estima, desencadeou espasmos de auto-piedade, paralisou as
mi nhas emoções, tornou-me irritável, invejoso e desrespeitador
da autoridade, atrasou o meu desenvolvimento, limitou as minhas
relações com o sexo oposto, impediu-me de enfrentar o mundo
e tornou-me quase inadaptável à sociedade humana. É um verdadeiro
milagre ter conseguido chegar a professor e mantido essa
profi ssão, e tenho de me dar uma nota muito alta por sobreviver
a todos aqueles anos nas salas de aula de Nova Iorque. Devia haver
uma medalha para pessoas que resistem a uma infância miserável
e se tornam professores, e eu devia ser o primeiro da fi la para
receber não só a medalha como todas as condecorações inerentes
às desgraças subsequentes.
Poderia apontar alguns culpados. Uma infância miserável não é
coisa que aconteça por acaso. Há certas condições que a explicam.
Forças ocultas. Se apontar culpados, faço-o com um espírito de perdão.
Por isso, perdoo às seguintes pessoas: ao Papa Pio XII; aos Ingleses
em geral e ao Rei Jorge VI em particular; ao Cardeal MacRory,
que governou a Irlanda quando eu era criança; ao bispo de Limerick,
que parecia pensar que tudo era pecado; a Eamonn De Valera ex -primeiro-
ministro (Taoiseach) e presidente da Irlanda. De Valera era um
meio espanhol fanático do gaélico (uma espécie de cebola es panhola
num guisado irlandês) que ordenava aos professores de toda a Irlanda
que enfi assem a língua nativa na cabeça dos alunos nem que fosse à
força e que lhes arrancassem qualquer vestígio de curiosidade natural
também à força, se preciso fosse. Causou a todos nós muitas horas de
infelicidade. Era superior e indiferente às marcas pretas e azuis que os
ponteiros dos professores deixavam em várias partes dos nossos jovens
corpos. Também perdoo ao padre que me expulsou do confessionário
quando eu confessei os pecados de masturbação e pequenos roubos
da bolsa da minha mãe, dizendo que eu não estava a demonstrar
estar verdadeiramente arrependido, sobretudo nos pecados da carne.
E, apesar de ter acertado em cheio, a recusa dele em conceder-me a
absolvição representou um perigo tão grande para a minha alma que,
se eu tivesse sido passado a ferro por um camião à saída da igreja, ele
teria sido responsável pela minha condenação eterna. Perdoo a vários
professores severos por me arrancarem da carteira pelas patilhas, por
me baterem frequentemente com o ponteiro, com o cinto e com a
bengala quando eu tropeçava nas respostas sobre o catecismo ou
quando não conseguia dividir mentalmente 937 por 739. Os meus
pais e outros adultos diziam-me que era tudo para meu bem. Perdoo-
-lhes por essas hipocrisias colossais e pergunto a mim próprio onde
estarão neste momento. No Céu? No Inferno? No Purgatório (se é
que ainda existe)?
Até consigo perdoar a mim próprio, apesar de nunca conseguir
deixar de soltar um gemido quando penso em certas fases da minha
vida. Que burro! Tanta timidez! Tanta estupidez! Tantas indecisões
e atrapalhações!
Mas depois vejo também as coisas sob outro ponto de vista.
Passei a infância e a adolescência a examinar a minha consciência e
a concluir que estava num estado permanente de pecado. Era isso
que me ensinavam, era essa a lavagem que faziam ao meu cérebro,
era isso que as condições propiciavam, sendo por isso impossível ter
qualquer espécie de presunção, para mais pertencendo à classe dos
pecadores.
Agora acho que chegou a altura de reconhecer em mim próprio
pelo menos uma virtude: a persistência. Não é tão chique como a
ambição, o talento, o intelecto ou o encanto, mas foi algo que me
acompanhou ao longo de tantos dias e noites.
F. Scott Fitzgerald disse que na vida dos Americanos não há
segundo acto. Ele não viveu tempo suficiente. No meu caso, enganou-
se redondamente.
Durante os meus trinta anos de professor de liceu em Nova Iorque,
ninguém me prestou a mínima atenção a não ser os meus alunos.
No mundo fora da escola, eu era invisível. Depois escrevi um
livro sobre a minha infância e tornei-me o irlandês do momento.
Esperava que o livro explicasse a história da família aos fi lhos e
netos McCourt. Esperava vender umas centenas de exemplares
e ser convidado para discussões em clubes literários. Em vez disso,
saltei para a lista dos best sellers, fui traduzido em trinta línguas e
fiquei estupefacto. O livro foi o meu segundo acto.
Cheguei tarde ao mundo dos livros. Tive aquela sensação de ser
o miúdo novo do bairro. O meu primeiro livro, As Cinzas de Angela,
foi publicado em 1996, quando eu tinha sessenta e seis anos, e o
segundo, Esta É a Minha Terra, em 1999, quando tinha sessenta
e nove anos. Com essa idade, é quase de admirar eu conseguir pegar
na caneta. Alguns dos meus novos amigos (amizades recentes que
ficaram a dever-se à minha ascensão à lista dos best sellers) tinham
publicado livros aos vinte anos. Crianças…
Então, porque é que demorei tanto tempo?
Era professor — foi por isso que demorei tanto. Não na universidade,
onde se tem todo o tempo do mundo para escrever e para
outras distracções, mas em quatro liceus da cidade de Nova Iorque.
(Tenho lido romances sobre a vida de alguns professores universitários,
que parecem tão ocupados com adultérios e brigas académicas
que fico sem perceber como arranjaram tempo para dar algumas
aulas.) Quem dá cinco aulas por dia, cinco dias por semana, não se
sente inclinado a ir para casa esvaziar a cabeça e criar um pouco de
prosa imortal. Ao fim de cinco aulas, a vozearia da sala de aula não
nos sai da cabeça.
Nunca esperei que As Cinzas de Angela atraíssem qualquer
atenção, mas, quando o livro chegou aos tops, passei a ser venerado
pelos media. Fui fotografado centenas de vezes. Era uma novidade
geriátrica com sotaque irlandês. Fui entrevistado para dezenas de
publicações. Conheci governantes, presidentes de Câmara, actores.
Conheci o Presidente Bush pai e o seu fi lho, na altura governador
do Texas. Conheci o Presidente Clinton e Hillary Rodham Clinton.
Conheci Gregory Peck. Conheci o Papa e beijei-lhe o anel. Fui
entrevistado por Sarah, a Duquesa de York. Disse que eu era o seu
primeiro prémio Pullitzer. Eu disse-lhe que era a minha primeira
duquesa. Ela exclamou, Ooh! e perguntou ao operador de câmara,
Apanhaste isto? Apanhaste isto? Fui nomeado para um Grammy
pela leitura do meu livro e estive quase a conhecer o Elton John.
As pessoas passaram a olhar para mim de uma maneira diferente.
Diziam, Ah, foi o senhor que escreveu aquele livro, Por aqui, por
favor, Mr. McCourt, ou Há alguma coisa em que possa ser-lhe útil?
Uma mulher num café pestanejou e disse, Eu vi-o na televisão. Deve
ser importante. Quem é o senhor? Dá-me um autógrafo? Ouviam-
-me. Perguntavam-me a minha opinião sobre a Irlanda, sobre conjuntivite,
sobre a bebida, os dentes, o ensino, a religião, a angústia
existencial dos adolescentes, William Butler Yeats, a literatura
em geral. Que livros vai ler neste Verão? Que livros leu este ano?
O Catolicismo, a escrita, a fome. Falei para assembleias de dentistas,
advogados, oftalmologistas e, claro, professores. Corri mundo
na minha qualidade de irlandês, na minha qualidade de professor,
na minha qualidade de conhecedor de todo o tipo de sofrimento,
como um raio de esperança para os idosos de toda a parte, sempre
desejosos de me contarem as suas histórias.
Fizeram um fi lme baseado em As Cinzas de Angela. Escreva-se
o que se escrever na América, a grande questão é sempre O Filme.
Se tivesse escrito a lista telefónica de Manhattan, haviam de perguntar,
Então e para quando o filme?
Se não tivesse escrito As Cinzas de Angela, teria morrido a
implorar, Só mais um ano, meu Deus, só mais um ano, porque este
livro é o que mais quero fazer na vida, no que resta da minha vida.
Nunca imaginei que viesse a ser um best seller. Imaginei que iria ficar
nas prateleiras das livrarias, mas vi mulheres bonitas a folhearem-
-no e a verterem uma lágrima. Claro que acabavam por comprar o
livro, levavam-no para casa, recostavam-se no divã e liam a minha
história, enquanto bebiam chá de ervas ou um copo de bom xerez.
E depois vinham encomendá-lo para todas as suas amigas.
No livro Esta É a Minha Terra escrevi sobre a minha vida na
América e como me tornei professor. Depois de o livro ser publicado,
fiquei com a sensação incómoda de que tinha prestado pouca
atenção ao trabalho dos professores. Na América, os médicos, os
advogados, os generais, os actores, as pessoas da televisão e os políticos
são admirados e recompensados. Mas os professores não. Os
professores são as sopeiras das profissões. São as pessoas a quem
mandam usar a porta de serviço ou entrar pelas traseiras. São felicitados
por terem tanto tempo livre. São referidos com condescendência
e veneração, mas só em retrospectiva, relembrando os
seus caracóis prateados. Ah, sim, eu tive uma professora de Inglês,
Miss Smith, que foi uma verdadeira inspiração para mim. Nunca
hei-de esquecer a querida Miss Smith. Costumava dizer que, se
tivesse conseguido chegar a uma criança nos seus quarenta anos
como professora, teria valido a pena. Morreria feliz. Mas a inspiradora
professora de Inglês desaparece por entre as sombras e acaba
os seus dias com uma reforma de miséria, a sonhar com a criança
à qual teria chegado. Continua a sonhar, professora. Não vais ser
glorificada.
Pensamos que vamos entrar na sala de aula, ficamos um
momento à espera que se faça silêncio, vemos os alunos abrir os
cadernos e pegar nas canetas, dizemos-lhes o nosso nome, escrevemo-
lo no quadro, começamos a ensinar.
Sobre a secretária temos o plano de estudos de Inglês fornecido
pela escola. Vamos ensinar ortografia, vocabulário, interpretação do
texto, composição, literatura.
Estamos ansiosos por chegar à literatura. Iremos ter discussões
animadas sobre poemas, peças de teatro, ensaios, romances, contos.
As mãos de cento e setenta alunos agitar-se-ão no ar enquanto eles
chamam, Professor McCourt, eu, eu, quero dizer uma coisa.
Esperamos que eles queiram dizer qualquer coisa. Não queremos
que eles se sentem de boca aberta, enquanto nós nos esforçamos
por manter a aula viva.
Faremos um festim com os cadáveres da literatura inglesa e
americana. Como será maravilhoso o tempo que passarmos com
Carlyle e Arnold, com Emerson e Thoreau. Mal podemos esperar
até chegar a Shelley, Keats, Byron e ao bom e velho Walt Whitman.
As nossas aulas exultarão com tanto romantismo, tanta rebeldia,
tanta provocação. Adoraremos as nossas aulas porque, lá no fundo
e nos nossos sonhos, somos uns românticos inveterados. Chegaremos
a ver-nos a nós próprios nas barricadas.
Ao passarem nos corredores, os reitores e outras fi guras de autoridade
ouvirão os sons excitados que saem da nossa sala. Espreitarão
admirados pelo vidro da porta e verão todas aquelas mãos no ar, a
avidez e o entusiasmo no rosto de todos aqueles rapazes e raparigas,
de todos aqueles canalizadores, electricistas, cabeleireiras, carpinteiros,
mecânicos, dactilógrafas e maquinistas.
Seremos nomeados para prémios: Professor do Ano, Professor
do Século. Somos convidados para Washington. Eisenhower
dá -nos um aperto de mão. Os jornais pedem-nos, a nós, meros
professores, a nossa opinião sobre o ensino. Uau. Vamos aparecer
na televisão.
A televisão.
Imagine-se: Um professor na televisão.
Levam-nos a Hollywood para aparecermos em fi lmes sobre a
nossa própria vida. Uma origem humilde, uma infância miserável,
problemas com a igreja (que desafiámos corajosamente), imagens
de nós, sozinhos, num canto, a ler à luz da vela: Chaucer, Shakespeare,
Austen, Dickens. Nós num canto a pestanejarmos, com
os olhos doentes, a ler intrepidamente até que a nossa mãe leva
a vela e diz que, se não pararmos de ler, os olhos vão acabar por
nos cair da cabeça. Imploramos que nos devolva a vela, só faltam
cem páginas de Dombey and Son, mas ela diz, Não, não quero que
andes por Limerick com as pessoas a perguntarem-te como é que
fi caste cego, se ainda há um ano andavas a jogar à bola com os
melhores.
Dizemos que sim à nossa mãe porque conhecemos a canção
O amor de mãe é uma bênção
Onde quer que estejamos
Cuidemos dela enquanto a temos
Porque lhe sentiremos a falta quando partir.
Além disso, é impossível responder a uma mãe representada
no cinema por uma daquelas antigas actrizes irlandesas, Sarah Allgod
ou Una O’Connor, com as suas línguas afi adas e os seus rostos
sofridos. A nossa mãe também tinha aquela poderosa expressão de
sofrimento, mas não há nada como vê-la no grande ecrã a preto e
branco ou a cores.
O papel do nosso pai podia ser representado por Clark Gable
só que a) ele podia não conseguir imitar o sotaque do Norte da
Irlanda do nosso pai e b) seria uma terrível despromoção depois de
E Tudo o Vento Levou que, como bem se lembram, foi proibido na
Irlanda porque, segundo se diz, Rhett Butler levava a mulher, Scarlett,
ao colo pela escada acima até à cama, e isso incomodou os censores
de cinema de Dublin e levou-os a proibir terminantemente o
fi lme. Não, era preciso outro actor para fazer de nosso pai, porque
os censores irlandeses estarão a ver atentamente e seria uma grande
desilusão para as pessoas de Limerick, a nossa cidade, e para o resto
da Irlanda, não terem a oportunidade de verem a história da nossa
infância miserável e do nosso triunfo subsequente como professor
e estrela de cinema.
Mas não será esse o fi m da história. A verdadeira história contará
como acabámos por resistir ao chamamento de Hollywood e
como, depois de noites e noites de jantares bem regados, de festas,
de sermos atraídos para a cama de belas estrelas de cinema, já reconhecidas
e ainda aspirantes ao estrelato, descobrimos o vazio das
suas vidas, descobrimos que elas despejaram sobre nós, recostados
sobre inúmeras almofadas de cetim, os seus corações, descobrimos
em nós um sentimento de culpa ao ouvi-las expressar a sua
admiração por nós, descobrimos que, graças à nossa dedicação aos
nossos alunos nos tornámos um ídolo e um ícone em Hollywood.
Descobrimos que essas estrelas deslumbrantes, já reconhecidas e
ainda aspirantes ao estrelato, estavam arrependidas por se terem deixado
desencaminhar, por terem abraçado o vazio das suas vidas de
Hollywood quando, se tivessem prescindido de tudo isso, poderiam
ter rejubilado diariamente pela integridade da tarefa de ensinar os
futuros operários, homens de negócios e empregados de escritório
da América. Como deve ser bom, dirão elas, acordar de manhã,
saltar alegremente da cama, com a certeza de que, antes do fi m
do dia, teremos cumprido os desígnios de Deus com a juventude
da América, dando-nos por satisfeitos com a nossa magra remuneração,
pois a verdadeira recompensa será o brilho de gratidão
nos olhos ansiosos dos nossos alunos ao entregarem-nos as prendas
que os seus pais nos mandam por admiração e gratidão: bolos, pão,
massas caseiras e, de vez em quando, uma garrafa de vinho feito
com as uvas que crescem nas traseiras das casas das famílias italianas,
as mães e os pais dos nossos cento e setenta alunos da McKee
Vocational and Technical High School, Distrito de Staten Island,
Cidade de Nova Iorque.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Por Sofia Alvarenga

Carta de Carlos Queirós a Fernando Pessoa

Carlos Queirós, «Carta à memória de Fernando Pessoa», em Presença, nº 48, Julho de 1936 (extractos):

Meu querido Fernando: Imagina você a falta que nos faz? Ainda há poucos dias, numa rua onde parámos a falar de si, o Almada me disse: O Fernando faz muita, muita falta! Na mágoa deste desabafo, pareceu-me reconhecer a mesma inconfessada sensação que a sua ausência, algumas vezes, me dá: a de ter feito uma partida que os seus amigos não mereciam. Quase apetece acusá-lo, gritar à sua memória: Você não tinha o direito de nos deixar tão cedo!

Mas o seu mestre Caeiro é quem tinha razão:
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.

Na verdade, a fixação da nossa presença física, seja em que forma for, é o que tem menos importância; e vem daí, por certo, o enorme esforço que tenho de fazer para recordar a sua. Não sei que névoa me afasta da próxima realidade dela. É uma imagem embaciada, talvez pela comovida lembrança da sua delicadíssima discrição. O Fernando passou por aqui em bicos de pés, coerente com o conselho dado às companheiras por uma das veladoras do seu "Marinheiro": « – Não rocemos pela vida nem a orla das nossas vestes.»

Em nada do que você usava se reflectia a fútil premeditação de exibicionismo. No entanto, toda a sua vulgaríssima indumentária, desde o chapéu aos sapatos, era, não sei porquê, espantosamente diversa da de toda a gente. Sei lá que tinha? Uma expressão inconfundível, um jeito especialíssimo, dado por si, sem querer.
Os seus gestos nervosos, mas plásticos e cheios de correcção, acompanhavam sempre o ritmo do monólogo, como a quererem rimar com todas as palavras. De quando em quando, pequenos risos (risinhos, é que diz bem), de criança triste a quem fazem cócegas, vinham festejar, alegremente, as descobertas do espírito – suas ou alheias, porque o Fernando não sabia reprimir o prazer que lhe causava a graça ou a simples alegria dos seus amigos.


A sua ironia, também de qualidade sui generis, era aguda, intencional, oportuna, mas sempre delicada e transparente, sem crueldades felinas. Nunca ouvi ninguém queixar-se de ter sido atingido por ela, nem assisti a que fizesse, na susceptibilidade de quem quer que fosse, a mais leve arranhadura. Era como aqueles gatos de boa raça que metem as unhas para dentro, quando brincam...

No acaso dos diálogos – aos quais nunca impunha, ditatorialmente, a direcção do seu espírito –, esperava que coubesse aos outros a sua vez de falarem para os escutar com atenção. Porém, no seu olhar, lia-se qualquer coisa parecido com o receio de que o supusessem perscrutador.

O seu discreto temperamento ajudava-nos pouco o desejo de lhe fazermos qualquer pergunta mais familiar, mais íntima. Como inquirir-lhe da saúde, sem ter medo de magoá-lo em qualquer parte da alma? Era difícil, sabe? Quanto mais perguntar-lhe: Que faz esta noite? Aparece amanhã? Chegava a ter a impressão de devassar-lhe a intimidade, quando o encontrava, às vezes, na rua...

Quando ia só, ou como se o fosse, apesar de não ser o que se chama, em linguagem doméstica, um abstracto ou distraído (pois a sua atenção, por mais repartida que estivesse, era sempre suficiente para apreender o que se passava à sua volta), costumava aflorar aos seus lábios estreitos o sorriso de quem lê uma carta confidencial, amiga e interessante.

Nada em si afastava quem o procurasse; antes pelo contrário – a não ser, a alguns dos mais orgulhosos ou tímidos dos seus amigos, a certeza de que você era incapaz, sem fortes razões justificadas, de procurar fosse quem fosse.

O seu sentimento de intimidade não era fruto de egoísmo nem de vulgar misantropia: era-o, sim, do profundo respeito que o Fernando tinha por si próprio e pelo que nos outros estimava que também fosse respeitável. Daí, a impossibilidade de abrir à curiosidade dos seus mais assíduos companheiros uma fresta por onde pudessem espreitar a sua vida sentimental:


«Não há quem saiba se eu gosto de ti ou não porque eu não fiz de ninguém confidente sobre o assunto.» Esta frase, cujas palavras sublinhadas o foram por si, é de uma das primeiras cartas que o Fernando dirigiu àquela a quem escreveu nove anos mais tarde: «... Se casar, não casarei senão consigo. Resta saber se o casamento, o lar (ou o que quer que lhe queiram chamar) são coisas que se coadunem com a minha vida de pensamento.»

As suas cartas de amor! Porque você amou, Fernando, deixe-me dizê-lo a toda a gente. Amou e – o que é extraordinário – como se não fosse poeta. Na evidente espontaneidade dessas cartas, que o Destino quis pôr nas minhas mãos, não se encontra um vestígio de premeditação formal, de voluntária intelectualidade.
Que admirável exemplo de humana integração no organismo da Vida! Lê-se qualquer delas – escolhida, ao acaso, entre as dezenas que a totalidade constitui – e logo nos ocorre esta pergunta, forrada de espanto: Como teria sido possível ao mais poeta dos homens e ao mais intelectual dos poetas portugueses (e, aqui, a palavra portugueses tem uma importância muito especial) libertar a tal ponto o coração da literatura?! (...)

Boa noite, Fernando. Não preciso dizer-lhe que sinto, nem por que sinto saudades suas. Mas não lhe peço que volte. Que temos aqui, que possa interessá-lo ou, o que é mais triste, merecê-lo? Não temos nada, bem sabe, de que você não conheça já melhor do que nós, o vazio sem fundo, a mentira sem remédio, a trágica inutilidade...

Carta de Fernando Pessoa a Ophélia

Bebezinho do Nininho-ninho Oh! Venho só quevê pâ dizê à Bebezinho que gotei da catinha dela. Oh! E também tive munta pena de não tá ó pé do Bebé pâ le dá jinhos. Oh!
O Nininho é pequinininho! Hoje o Nininho não vai a Belém porque, como não sabia se havia carros, combinei tá aqui às seis o’as. Amanhã, a não sê qu’o Nininho não possa é que sai daqui pelas cinco e meia (isto é a meia das cinco e meia). Amanhã o Bebé espera pelo Nininho, sim? Em Belém, sim? Sim?
Jinhos, jinhos e mais jinhos

Fernando 31/5/1920