É um facto compreensível que todos os heterónimos de Fernando Pessoa sejam apenas “personagens” criadas de forma genial para que este conseguisse escapar ao seu próprio ser, sublinhando as características que nele pouco se expressavam. Recorrendo à sua obra e aos novos seres por ele criados, Fernando Pessoa tenta assim fugir às suas angústias seguindo e criando “correntes” bastante radicais e muitas vezes inviáveis.
Dos três heterónimos estudados, o que mais me cativa é Álvaro de Campos (nomeadamente a última fase), escolha que se deve não só ao meu carácter mas também por ser aquele que, a meu ver, foge menos à realidade.
Apesar de todos eles terem pequenos pontos em comum, Alberto Caeiro e Ricardo Reis situam-se em extremos opostos, facto esse que me leva a considerá-los menos apelativos.
Enquanto Alberto Caeiro vive na base dos sentidos e recusa totalmente o pensamento, rodeando-se pelo natural e pelo campestre, Ricardo Reis vive numa ataraxia sufocante, onde tudo se rege pelo pensamento clássico. Sendo dois caminhos pelos quais Pessoa opta para conseguir alguma “paz interior”, parecem-me ser demasiado limitantes para o que se considera viver.
Álvaro de Campos é então o poeta mais interessante, como já referi. Inicialmente, vive entusiasmado com todo o progresso, apesar de estar sempre consciente da sua maior angústia: a morte, esse temido e evidente destino. Na última fase, sente-se totalmente este cansaço e angústia, ao mesmo tempo que se sente alguma frustração causada pela seu querer “sentir tudo de todas as maneiras”.
Com Campos, sente-se a verdadeira realidade e não se foge a ela: não se deixa de pensar nem de sentir. Vive-se o que se tem a viver, questiona sobre aquilo que o intriga, revolta-se com aquilo que o indigna. No fundo, é o heterónimo que menos contorna o que se é, uma vez que ninguém consegue só sentir ou só pensar. Apenas vemos nele aquilo que todos alguma vez já sentimos de uma forma menos impulsiva.
Catarina Lourenço
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