Para reflectir....
As escolas profissionais eram vistas por muita gente como um repositório de alunos mal preparados para os liceus académicos. Isso era uma atitude snobe. Às pessoas não interessava que milhares de jovens quisessem ser mecânicos de automóveis, esteticistas, maquinistas, electricistas, canalizadores ou carpinteiros. Que não quisessem ter a Reforma, a Guerra de 1812, Walt Whitman, o gosto pela arte, a vida sexual da mosca da fruta a maçar-lhes a cabeça.
Mas, se temos mesmo de fazer isso, então façamo-lo. Vamos sentar-nos a ter essas aulas que não têm nada a ver com a nossa vida. Vamos trabalhar em lojas onde aprendemos o que é o mundo real e tentar ser simpáticos para os professores e safarmo-nos daqui ao fim de quatro anos! Puuf!
p. 26
Toda a gente dizia que, assim que recebesse o certificado, não teria problemas em arranjar trabalho. Quem é que queria um emprego daqueles? Tantas horas de trabalho, um ordenado tão baixo e quem é que nos agradecia por aturarmos os turbulentos miúdos americanos? Era por isso que o país estava sem professores.
pp. 71 e 72
Segundo as minhas contas, cerca de doze mil rapazes e raparigas, homens e mulheres, se sentaram a ouvir-me dar aulas, entoar cânticos, incitar, divagar, cantar, declamar, recitar, rezar e ficar sem palavras. Penso nessas doze mil pessoas e interrogo-me sobre o impacto que terei tido sobre elas. Depois penso no impacto que tiveram em mim.~
p. 83
Meu Deus! Numa oficina ninguém precisa de parágrafos para nada.
Se falarmos com agressividade ou rispidez, perdemo-los. É isso que, em geral, recebem dos pais e das escolas. Se contra-atacam com o seu silêncio, aquela turma está acabada para nós. (…) Eles sabem que o espectáculo dura quarenta e cinco minutos, nós contra eles, trinta e quatro adolescentes nova-iorquinos, os futuros mecânicos e operários da América.
p. 85
Aqueles pombos desavergonhados, indiferentes à excitação dos adolescentes da minha sala, copulam no parapeito da janela e isso é mais sedutor do que a melhor aula do melhor professor do mundo.
p. 87
Na escola McKee havia duas vezes por ano o Dia da Escola Aberta e a Noite da Escola Aberta, em que os pais iam à escola ver qual o desempenho dos filhos. Os professores recebiam os pais nas salas de aula, conversavam com eles e ouviam as suas queixas. (…) Nunca ninguém me ensinou como deveria lidar com os pais no Dia da Escola Aberta.
p. 87
Uma das coisas que eu estava a aprender era que os professores e os alunos têm de se manter unidos perante os pais, os supervisores e o mundo em geral.
p. 88
Estou a ficar irritado e com vontade de gritar, Porque é que são tão estúpidos? Nunca tiveram uma lição de gramática? Valha-me Deus, até eu tive aulas de gramática, e em irlandês. Porque é que eu tenho de aguentar isto, com um sol tão lindo e os pássaros a cantarem lá fora? (…) Há dias em que adoraria ir-me embora e bater com a porta…”
p. 94
Todas as turmas têm a sua química. Há turmas de que gostamos e às quais estamos sempre desejosos de dar aulas. Eles sabem que o professor gosta deles e, em recompensa, gostam do professor. Às vezes até lhe dizem que a aula foi muito boa e o professor sente-se nos píncaros. Isso dá-lhe energia e vontade de cantar no caminho para casa.
Há turma que nos dão vontade de apanhar o ferry boat para Manhattan e nunca mais voltar. Há uma espécie de hostilidade na forma como entram e saem da sala que não nos deixa dúvidas sobre a opinião que têm de nós. Mas pode ser imaginação nossa e tentamos descobrir uma maneira de os trazer para o nosso lado. Experimentamos dar aulas que resultam com outras turmas, mas nem mesmo isso resulta. Tudo por causa da tal química.
p. 95
Disse-lhes que tinham o direito de pensar pela sua própria cabeça.
Silêncio na sala de aula.
Não têm de engolir tudo o que vos digo. Ou o que qualquer outra pessoa vos diz. Podem fazer perguntas. Se não souber a resposta, podemos ir à biblioteca ou discutir a questão aqui.
Olham uns para os outros. Este homem diz coisas com piada, Diz que não temos de acreditar nele. Estamos aqui para aprender Inglês, para podermos passar. Temos de tirar o curso.
Queria ser o Grande Professor Libertador, obrigá-los a deixar de estar de joelhos depois de dias de trabalho árduo em escritórios ou fábricas, ajudá-los a libertarem-se das grilhetas, levá-los até ao cimo da montanha para poderem respirar o ar da liberdade. Quando as suas mentes estivessem libertas de frases feitas, ver-me-iam como o seu salvador.
A vida já era suficientemente dura para as pessoas daquela turma sem terem de ter um professor de Inglês a pregar-lhes que tinham de pensar e a maçá-los com perguntas.
Nós só queremos é sair daqui.
p. 140
Não ficamos comodamente sentados, percebe? Queremos subir cada vez mais. Quais são os seus planos a longo prazo?
Não sei. Vim para cá para ser professor.
Abanou a cabeça. Não conseguia perceber a minha falta de ambição. Tinha de ser mais dinâmico. Tinha sido graças a ele que aqueles quatro professores estavam a fazer cursos que lhe permitiriam subir e deixar de dar aulas. Foi o que ele disse. Porque haviam de passar o resto da vida na escola a aturar miúdos, se podiam andar pelos corredores do poder?
Tive um momento de coragem e perguntei-lhe, Se toda a gente subisse assim, quem é que dava aulas aos miúdos?
p. 143
Os reitores querem ordem, rotina, disciplina. Percorrem os corredores. Espreitam pelo vidro das portas das salas de aula. (…) Os bons professores não deixam o navio à deriva. Mantêm a disciplina e isso é uma coisa fundamental numa escola profissional de Nova Iorque, para onde, por vezes, os gangues trazem os seus problemas.
p. 171
É isto que acontece nas escolas públicas americanas: quanto mais nos afastamos da sala de aula, maior é a nossa recompensa, quer em termos profissionais, quer pessoais. Depois de obtermos o certificado, damos aulas durante dois ou três anos. Fazemos cursos de administração, supervisão, orientação escolar e, com os novos certificados, podemos passar para um gabinete com ar condicionado, casa de banho privativa, almoços demorados e secretárias. Não temos de aturar bandos de miúdos malcriados. Escondemo-nos no nosso gabinete e nem sequer temos de os ver, quanto mais aturá-los.
p. 180
Se pedíssemos aos alunos das nossas cinco turmas que escrevessem, cada um, um texto com trezentas e cinquenta palavras, ficaríamos com cento e setenta e cinco vezes trezentos e cinquenta, o que daria quarenta e trem mil setentas e cinquenta palavras que era preciso ler, corrigir, avaliar e classificar aos serões e aos fins-de-semana. E isso, se tivéssemos o bom senso de lhes dar apenas um trabalho por semana. (…) Todos os dias levava para casa livros e testes numa pasta castanha de imitação de pele. A minha intenção era sentar-me numa cadeira confortável e ler os testes mas, depois de dar aulas a cinco turmas, num total de cento e setenta e cinco adolescentes, não me apetecia nada prolongar o dia com os trabalhos deles.
pp. 211 e 212
Antes da Stuyvesant, era mais um mestre-escola do que professor. Gastava uma parte do tempo da aula com coisas de rotina e de disciplina: a mandá-los sentar e abrir os cadernos, a responder aos seus pedidos para irem à casa de banho, a lidar com as suas queixas. Mas, agora, já não tinha pela frente alunos irrequietos nem conflituosos.
Não havia queixas de que alguém tinha empurrado alguém ou tinha siso empurrado. Não havia sandes pelo ar. Não havia desculpas para não ensinar.
p. 228
Estava a encontrar a minha voz e o meu estilo de dar aulas. Estava a aprender a sentir-me bem na sala de aula. Tal como o Roger Goodman tinha feito, o novo chefe de departamento, Bill Ince, dava-me rédea solta para experimentar ideias novas sobre escrita e literatura, para criar o meu próprio ambiente na sala de aula, para fazer o que quisesse sem interferências burocráticas, e os meus alunos eram suficientemente maduros e tolerantes para me deixarem descobrir o meu caminho sem a ajuda da máscara nem da caneta encarnada.
p. 229
Desapreça sem deixar nenhum legado, apenas a recordação de um homem que transformou a sala de aula num recreio, numa sessão de rap e num fórum de terapia de grupo.
Porque não? Que se lixe. Pensando bem, para que servem as escolas? Pergunto-vos, será que compete ao professor fornecer carne para canhão ao complexo militar-industrial? Ou criar embalagens para a linha de montagem empresarial?
p. 237
A única coisa que lhes interessa é o sucesso e o dinheiro, o dinheiro, o dinheiro, diz a Connie. Têm grandes expectativas para os filhos, grandes ambições, e nós somos uma espécie de trabalhadores numa linha de montagem a pôr uma pequena peça aqui, outra ali, até sair o produto final, prontos a agradar aos pais e às empresas.
p. 261
Descobre o que gostas de fazer e faz. É tão simples quanto isso. Admito que nem sempre gostei de ensinar. Era demais para mim. Estamos sozinhos na sala de aula, um homem ou uma mulher com cinco turmas por dia, cinco turmas de adolescentes. Uma unidade de energia contra cento e setenta e cinco unidades de energia. Cento e setenta e cinco bombas-relógio. Temos de descobrir maneiras de salvarmos a vida. Eles podem gostar de nós, podem até adorar-nos, mas são jovens e a função dos jovens é expulsar os velhos do planeta. Sei que estou a exagerar mas é como um pugilista que vai para o ringue ou um toureiro que entra na arena. Podemos ser deitados ao tapete ou levar uma cornada, e é o fim da nossa carreira de professores. Mas, se persistirmos, aprendemos os truques. É difícil, mas temos de nos sentir à-vontade na sala de aula. Temos de ser egoístas. (…)
A sala de aula é um lugar de emoções fortes. Nunca saberemos o que fizemos pelas centenas de alunos que chegam e partem. Vemo-los a saírem da sala de aula: sonhadores, impávidos, trocistas, sorridentes, confusos. Ao fim de alguns anos, começamos a ter antenas. Percebemos quando conseguimos chegar até eles ou quando os afastamos. É química. É psicologia. É instinto animal. Estamos com os miúdos e, se quisermos mesmo ser professores, não há fuga possível. Não contes com a ajuda dos que fugiram à sala de aula, as pessoas dos gabinetes. Estão muito ocupados a almoçar e a desenvolver grandes ideias. És só tu e os miúdos. Pronto, a campainha. Até depois. Descobre o que gostas de fazer e faz.
pp. 283 e 284
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