Por Mariana Baptista
Fernando Pessoa conta e desabafa a insatisfação da alma humana - a sua precariedade, a sua limitação, a dor de pensar, a ânsia de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir. As fugas que encontra são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, entre muitos outros. Todas estas fugas são tentativas frustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e de entusiasmos, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e insatisfação do relativo.
Muitos dos temas subentendidos nos seus poemas, como a identidade perdida (“Quem me dirá sou?”) e incapacidade de auto-definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”), fazem-nos ter consciência do absurdo da existência, que ele próprio sente. Gostei, principalmente, de interpretar as temáticas do anti-sentimentalismo: a intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação. / Não uso o coração.” – poema Isto) e a inquietação metafísica, a dor de viver.
Pessoa parte de uma percepção da realidade exterior para uma atitude reflexiva (constrói uma analogia entre as duas realidades transmitidas: a visão do mundo exterior é fabricada em função do sentimento interior), e é como se ele ensinasse o seu próprio pensamento a sentir.
A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo, sem qualquer relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade. O presente é, portanto, o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi).
A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe o Modernismo. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.
Na minha opinião, a obra ortónima de Fernando Pessoa é a mais interessante e valiosa, embora, muitas vezes, seja ofuscada pela obra dos seus heterónimos, ironicamente, pois, de facto, muitas vezes, o trabalho que Pessoa assinou com o seu próprio nome, parece ter uma falta de brilho, ou pelo menos de intensidade. Isto deve-se sobretudo ao facto de o poeta ter dado diversos aspectos da sua própria personalidade aos seus heterónimos – Álvaro de Campos ficou com a emoção, Ricardo Reis com a racionalidade planeada e Alberto Caeiro com a inspiração naturalista/ sensacionismo. Pessoa chega a referir, em carta, a um dos seus amigos críticos literários, que nada restava dele quando chegava o tempo de escrever com o seu próprio nome.
Concluindo, a poesia ortónima de Fernando Pessoa é caracterizada por um sentimento de leveza e tédio, um sentimento existencialista, mas no qual transparece a mesma angústia de viver e o desespero por procura de significados que encontramos tão profundos na "Náusea".
Assim sendo, mesmo nas suas temáticas mais fortes, Pessoa escreve como se passasse de leve pela poesia, como passou de leve pela vida.
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