"No Teu Deserto", Miguel Sousa Tavares
Por Mariana Heitor
No Teu Deserto é um livro de homenagem a uma pessoa conhecida em situações especiais e ao deserto. É um livro de nostalgia, em relação a essa pessoa (de quem perdeu o contacto), e ao deserto, com o qual se desencantou, já que, vinte anos depois, a aventura que era ir ao Sahara transformou-se numa simples viagem turística quase sem risco.
Neste “quase romance” de Miguel Sousa Tavares, assistimos à descrição de uma viagem feita em Novembro de 1987 pelo próprio Miguel S. Tavares ao deserto do Sahara num jipe, na companhia de uma jovem – Cláudia – que só conheceu uns dias antes da partida. O escritor relembra uma travessia pelo deserto feita com esta mulher, quinze anos mais nova que ele. Durante quarenta dias, Miguel S. Tavares e Cláudia atravessaram as paisagens áridas do continente africano e viveram uma experiência marcante, que se vai projectar por muito tempo na vida de ambos. Eles partem de Lisboa num jipe abastecido de comida enlatada, algumas bebidas alcoólicas, uma bússola e um mapa militar dos anos 50. Acompanhamos a evolução da relação de dois quase desconhecidos (unidos pelo desejo de conhecer o deserto) e de como se adaptam um ou outro quando envolvidos num mundo quase desconhecido para ambos. Os restantes membros da excursão (mais uma dezena de jipes) vão por Marrocos, mas o casal entra no continente africano pela Argélia, pois dependem de uma licença de filmagem expedida em Argel. A princípio marcada pela distância, a relação entre os dois aventureiros intensifica-se ao longo da viagem na luta contra o tempo, no enfrentamento da burocracia e da corrupção argelina, na confusão das cidades africanas e no dia-a-dia de acampamento e improvisos. A intimidade avança para um sentimento amoroso, que nasce da cumplicidade naquela situação adversa: solidão, viagem, silêncio, paisagens inóspitas, etc.
Vinte anos depois, Miguel Sousa Tavares descobre ocasionalmente que Cláudia tinha falecido e decide contar a história desse amor para, de alguma forma, reter a felicidade desse encontro na memória. O romance é um acerto de contas emocionado do escritor – narrador para com a memória de Cláudia, de quem ele guarda poucas fotografias, mas numerosas e intensas lembranças.
No Teu Deserto, é assim um tributo a uma viagem, a uma pessoa e a um deserto nunca esquecido.
Apreciação Crítica
Sem qualquer dúvida, é um livro bastante interessante e com um registo de escrita, na minha opinião, muito bom e muito perceptível. Claro que, num livro de estilo “quase romance”, haverá sempre algumas coisas que ficam por dizer, mas, no entanto, é isso que o torna numa história imaginável e mais criativa, pois cada leitor interpreta à sua maneira o que está a ler. Penso que, ainda assim, No Teu Deserto é um livro que contém muitos pormenores essenciais à compreensão do texto e que o escritor os relatou sem tornar o livro demasiado descritivo e enfadonho. Também gostei do facto de ter conseguido criar na minha cabeça uma personagem que me parecia uma pessoa real, como a imagem da Cláudia, e ter conseguido, à medida que ia lendo o livro, criar, constantemente, situações e cenários de acordo com o contexto.
A meu ver, a história deste livro é fabulosa, e o que mais me cativou, ao começar a lê-la, foi o facto de esta ser uma história verídica, que aconteceu e que o escritor vivenciou. Trata-se, então, de uma espécie de carta de despedida que não foi possível escrever enquanto Cláudia esteve presente. É uma homenagem, um agradecimento. Neste contexto, Miguel Sousa Tavares focalizou em particular capítulos narrados pelo outro lado, ou seja, por Cláudia, o que eu achei curioso e ao mesmo tempo pertinente, pois esses pequenos diálogos entre ambos facilitavam imenso a compreensão contextual do espaço e das emoções vividas.
Para mim, um bom livro é aquele que nos transporta para outra dimensão, para outro lugar – e este transporta-nos. Este, é um livro de uma viagem e o melhor livro de viagens é aquele que nos leva na viagem – e este leva-nos. Que faz emocionar, quando é para emocionar. E faz que rir quando é para rir. Este é, na minha opinião, um livro cheio de emoções e sentimentos que se vão despertando à medida que se vai lendo o livro.
Recomendaria esta obra pois a escrita é acessível a todos e é muito simples, mas o mais hilariante é o romance, é a história em si, o modo como tudo é transparecido para quem está a ler. Conseguimos, nesta obra, compreender cada palavra, cada gesto ou cada olhar.
Posso afirmar que este foi, sem dúvida, o melhor livro que já li até hoje.
Este livro fez-me reflectir sobre a importância que as pessoas têm nas nossas vidas e o quanto lhes devemos dar o devido valor enquanto estão presentes e ao nosso lado, pois quando reflectimos e damos conta que errámos num determinado momento, pode já ser tarde demais para o arrependimento.
Quanto mais vivemos, mais nos apercebemos que as pessoas entram na nossa vida e convivem connosco durante um determinado tempo. Algumas permanecem para sempre e outras, simplesmente, desaparecem sem deixar rasto. Foi o que se passou com o escritor nesta obra. Foi no meio de uma conversa, quando alguém lhe perguntou se a morte de Cláudia o tinha abalado (emocionalmente) que este tomou conhecimento da morte da sua companheira de viagem. Como não sabia do trágico incidente, ficou chocado.Abriu uma janela porque precisava de ar, sentia-se sufocar e tinha vontade de gritar. Mas não o fez, ficou calmo, quieto e incrédulo.
A primeira reacção de alguém quando recebe uma má notícia sobre uma pessoa que lhe é muito próxima, é a negação dessa verdade, é a recusa de um facto inalterável pelo tempo, mas que não se aceita por factores emocionais. Nestes casos, põe-se a racionalidade de lado e o coração comanda os nossos pensamentos. Passo a citar: “Vinte anos.”, ”Só ontem é que percebi que tinhas morrido.”
O que é certo é que quando as pessoas partem (morrem), só nos restam boas ou más recordações, nada mais que isso, meras recordações.
Esta obra foi uma grande homenagem a ” Cláudia ” que de certo teria adorado saber o quanto foi importante para ele tê-la conhecido e ter podido viver momentos de amizade e cumplicidade com ela.
Isto mostra que não importa a distância a que estamos das pessoas e o tempo que passou pois a sua importância na nossa vida aproxima-nos ou distancia-nos consoante o que realmente queremos e sentimos em relação e elas.
Citações do livro
“Esta história que vos vou contar passou-se há vinte anos. Passou-se comigo há vinte anos e muitas vezes pensei nela, sem nunca a contar a ninguém, guardando-a para mim, para nós, que a vivemos. Talvez tivesse medo de estragar a lembrança desses longínquos dias, medo de mover, para melhor expor as coisas, essa fina camada de pó onde repousa, apenas adormecida, a memória dos dias felizes” (pág.11)
“Foi então que eu te tirei a tal fotografia, rodeada de miúdos e sentada no chão, uma criança entre crianças, e, ainda que tantas fotografias felizes mintam, como bem sabemos, ainda que as fotografias consigam suspender a felicidade como se ela fosse eterna, aí tu ficaste para sempre – feliz, suspensa e eterna – tal qual como nesse instante. E é, hoje ainda, a imagem mais forte, mais verdadeira, que tenho de ti. Não saias nunca desta fotografia, Cláudia! Não saias – tu, não.” (pág. 117)
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